VIVÊNCIAS
X-AS AMÉRICAS: DE WASHINGTON A ASSUNÇÃO A BUENOS AIRES
(i) WASHINGTON. D.C.-EUA
Em um belo dia de fins de outono, recém chegado a Washington D.C., recebo em meu cantinho de Terceiro-Secretário na embaixada a chamada telefônica de minha mulher, que vinha buscar-me ao final do expediente:
–Fogo! Corre, desce! Nosso carro tá pegando fogo, aqui mesmo, em frente à embaixada, corre!
Corri, desci, vi, parado a meio sobre a calçada do número 3006, Massachusetts Avenue, diante do imponente prédio envidraçado da chancelaria da embaixada, o Mustang que havíamos acabado de comprar, 500 km no odômetro, com o motor em chamas. Susto nosso. Felizmente, minha mulher nada havia sofrido.
O aprendizado de como trabalhar em Washington começou ali, com o calvário que tive que percorrer em seguida para receber a indenização do seguro pela perda total do carro. E ainda tivemos, nós dois num abraço de desamparo e sem compreender como aquilo podia ter acontecido, de ouvir a piada de um dos bombeiros que logo acudiram naquela viatura com todo o aparato barulhento de sirenes e luzes tão trepidantes como as chamas que saiam do motor de nosso carro: –this is what I would call a ´hot mustang`! À piada, seguiu-se logo a advertência, em tom de trovão, para que tirássemos logo ´aquilo` dali.
Bem, o bombeiro estava parcialmente equivocado na piada. Era de fato um ´Mustang`, mas muito longe de ser ´hot`. Com a clássica linha arrojada dos Mustangs, e num bonito azul claro, o carro era de uma versão mais econômica, apenas com 4 cilindros e pequena potência, foi o automóvel mais em conta que pudemos encontrar no mercado local naquele momento. Estamos em fins de 1975. O democrata Jimmy Carter, presidente eleito, se preparava para uma gestão em tempos políticos difíceis, na esteira do escândalo de Watergate e a renúncia de Nixon, e na evidência das ruínas em brasas de propriedades queimadas nos conflitos anos antes pelos direitos civis, em setores inteiros de negros em várias cidades americanas, sobretudo a capital, Washington, D.C.
Tempos econômicos difíceis também, pois Carter teria de lidar com altas sem precedentes no custo de vida no país, com taxas de juros atingindo 12 por cento ao ano. Os dois «choques» do preço do barril de petróleo, em 1973 e depois em 1979, talvez mais até do que a queda de Nixon e a conquista dos direitos civis pelos negros, mexeram na base do «American way of life» e seus automóveis bebedores de gasolina, os «gas guzzlers». Penavam nas longas filas nos postos de abastecimento e, como se viu com o nosso ´Mustang` econômico de 4 cilindros, revelaram-se inexperientes e desajeitados nos ajustes que se viram obrigados a fazer na indústria para o uso mais eficiente da energia. A consciência social dessa necessidade, se veio, foi gradual e se deu muito mais tarde, já no contexto das teorias da mudança do clima e do aquecimento global. De qualquer forma, o apoio amplo com que contaram Donald Trump e alguns outros governantes norte-americanos em tempos passados nas posturas refratárias à redução da produção de gases do efeito estufa mostra a resiliência existente nesse processo de conscientização.
Na embaixada, haviam-me encarregado de cuidar de assuntos na área da ciência e tecnologia. Pelas funções , fui ungido com a pomposa e dúbia função diplomática de ´scientific officer`. Ficava muito constrangido quando, em visitas de trabalho a universidades e centros de pesquisa, me tratavam, sem ironias, como se fosse efetivamente um cientista. Os americanos são assim, acreditam nas pessoas. O contrário de nós, pobres tupiniquins, que desconfiamos de tudo e de todos. Aprendemos com a dura realidade nossa, onde reina sempre a deusa dos enganadores e dos golpistas. Agora, com Bolsonaro, estivemos mais sofisticados ainda, ao querer exportar nossas desconfianças para desacreditar o resultado das eleições presidenciais que elegeram Joe Biden. O atual chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, diz que todos devíamos nos orgulhar de sermos agora um país «pária» no mundo. País pária é assim, tem presidente e chanceler que supõem fazer a verdade internacionalmente.
Pasmem, mas uma característica permanente das autoridades brasileiras em visita à cidade, que pude testemunhar ao longo dos cinco anos em que servi em Washington, D.C., foi algo semelhante: sempre se indignavam por não encontrarem as autoridades do governo norte-americano à absoluta disposição e à espera das nossas, fora das agendas acordadas. Não entendem como podem encerrar o expediente do dia, inclusive o presidente, às cinco da tarde, conforme o horário comum no país, o famoso «nine to five». Os valores lá são inversos aos nossos. «Prima facie», confiam, ninguém precisa apresentar carteira de identidade, mesmo porque não as há. Empregados e patrões que ficam no serviço após o expediente não são «dedicados ao serviço», como entre nós, mas incompetentes, já que não foram capazes de cumprir as tarefas do dia no horário previsto. Presidentes tiram férias e descansam nos fins de semana. Serão «cobrados» pela sociedade se não o fizerem. As leis são para todos. Não admira que nossas autoridades, nos seus tratos com os correspondentes norte-americanos, se surpreendessem com a prática de valores que entre nós são apenas para exposição retórica, como organização, observação de horários, estrita separação da coisa pública da coisa privada, etc.
O trabalho diplomático na capital norte-americana é, como se poderia imaginar, uma escola: de diplomacia, de política internacional e de civilização, sem exagero. Afinal, estamos no centro do império. De resto, em termos educativos e educacionais, acrescem a essa extraordinária experiência as oportunidades de estudo nas várias e excelentes universidades no Distrito de Colúmbia. Deparei-me logo com o fato muito positivo, na nossa embaixada, de muitos colegas aproveitarem a estada em Washington para cursos de mestrado ou doutorado. Eu mesmo fiz duas universidades, um bacharelado (B.A.) em música pela George Washington University e um mestrado (M.A.) em teoria política no seleto «Department of Government», da Georgetown University. Nas duas, o processo de admissão, no meu caso, foi bastante curioso e mostra o grau de abertura existente no sistema de ensino universitário no país.
Na Universidade de George Washington, fui ao departamento de música munido de meus diplomas de bacharelado em direito (UFMG/CEUB), diplomacia e relações internacionais, pelo Instituto Rio Branco, ademais de meu currículo de dois anos de Escola Naval e de um ano no departamento de música na UNB. Esse currículo permitiu minha admissão ao programa de bacharelado (B.A.), por cobrirem mais que satisfatoriamente os créditos exigidos nas diversas áreas do programa: ciências exatas (neste caso, meus créditos da Escola Naval em física, química, matemática), ciências sociais (direito). Quanto ao campo específico que propus (música), meus créditos eram muito parciais, pois mal havia feito o vestibular para música na UNB quando fui removido para Washington. Tinha comigo, por certo, a carta de recomendação de minha professora de flauta na UNB, Odette Ernst Dias, e outra do diretor do departamento de música daquela universidade de Brasília. Na entrevista no departamento de música da George Washington (há sempre as entrevistas com o candidato, olho no olho), o saudoso diretor, o maestro Steiner, grande violinista de seu tempo, viu o meu currículo, mas quis saber mais sobre meus antecedentes em música. Em resposta, comecei por dizer-lhe que vinha de uma família de músicos, uma irmã pianista, outra bailarina clássica, outra maestrina. Foi o quanto bastou. Disse ele que não precisava continuar, eu estava admitido. Ponto. Como já estava dispensado de cumprir os créditos em outras áreas, fiz o B.A. rapidamente, em dois anos, em «Applied Music», com «major» em Flauta, com direito ao recital, condição sine qua non para o diploma.
Meu recital, no Marvin Auditorium, da universidade, em 1978, foi uma efeméride para mim, não importa o público pouco numeroso., coisa normal nesse tipo de evento universitário. Quanto mais não seja, pela densidade do programa, que mesmo hoje deixaria, suspeito eu, flautistas profissionais sem fôlego: trabalhamos muito, o pianista e colega de classe no departamento, Richard Allen, junto com meu professor de flauta William Fuhrmann, no programa que passava pela complexa sonata em si menor de J.S.Bach, BWV 1030, incluía GlUck, Mozart, Ibert, e Poulenc, além de peça para flauta solo de Camargo Guarnieri. Não queria misturar as coisas. Não foi fácil cumprir o programa dos créditos em música, com aulas obviamente presenciais. Tive que arranjar tempo fora dos horários de expediente na embaixada (pela manhã cedo, durante a hora de almoço, à noite), e sobretudo nos cursos intensivos de verão. Em cinco anos em Washington, ocupei-me, em quase todas as férias , com cursos intensivos de verão, primeiro na George Washington University, depois na Georgetown University. Senão, não daria para terminar os cursos. Como as aulas de flauta eram individuais, podia fazê-las de forma diferenciada. Bill Fuhrmann deu-me estímulo importante e muita confiança. Alguns professores foram compreensivos comigo, como o próprio Steiner, por exemplo, que me deu o curso de regência como se fora aluno particular. Conheciam minhas limitações pelo meu dever de cumprir os horários da embaixada, e me ajudaram muito mesmo.
Sou eternamente agradecido a eles. Não só em termos de horários e outras flexibilizações, que de resto são absolutamente próprias do sistema de ensino norte-americano (pois, como disse acima, é um sistema que funciona na base da confiança mútua: não creio que tão cedo vejamos algo parecido no Brasil, infelizmente). Há também que acrescentar o envolvimento sincero e pessoal dos professores com a evolução e a formação pessoal, não só profissional, de cada aluno. É como se eles quisessem «ver» à frente de cada um de nós. Na verdade velam por cada aluno, Aliás, recomendo a propósito cuidando de seu futuro, orientando-o da melhor forma. É algo impressionante, deveras.
Não à toa são os EUA o que são. Robert Parris, por exemplo: foi meu professor, primeiro de contraponto, e depois de composição. Um grande compositor contemporâneo, infelizmente falecido ao final da década de 1990. Recordo que estamos falando, aqui, de coisas que se passaram em fins da década de 1970, inícios da seguinte. Pois Parris, ranzinza como quase todos os gênios da música soem ser, e sempre implacável nas críticas às fugas e demais peças que eu compunha (sempre de madrugada, não havia outra hora) como exercícios de «para casa», uma vez conversou comigo em tom pessoal, sabedor de minhas dúvidas sobre seguir a carreira diplomática ou a carreira de músico: aconselhou-me, com sinceridade de propósito, a não deixar a diplomacia e fazer música como amador. Não porque não reconhecesse o potencial em mim para a mudança de carreira, mas simplesmente por uma visão realista do mundo, alertando-me para as durezas, bem conhecidas, da vida de um músico profissional. É assim. A propósito, recomendo, mesmo para quem não tem pretensões à músico proffissional, o divertido livro de meu antigo professor de teoria e solfejo na UNB, o trompista e amigo Bohumil, intitulado «A Dura Vida do Músico», publicado por sua editora. Bohumil seguiu seus próprios conselhos e, de músico, mudou de atividade profissional, tornando-se um empresário bem sucedido com uma das maiores editoras e livrarias de música e partituras da América Latina, sediada em Brasília.
Enfrentei processo parecido ao caso da minha admissão para o o B.A. na George Washington University, talvez mais complexo, para a admissão ao mestrado em teoria política no Government Department, um departamento muito exclusivo dentro da Universidade de Georgetown, por si mesma uma universidade exclusiva, integrante da «Ivy League» norte-americana. Por sorte, tinha feito, antes de pleitear fazer o mestrado, alguns cursos, também intensivos de verão com o professor Czerny, que em seguida se tornou diretor do departamento. Fizera com ele, ainda sem ser aluno permanente de Georgetown, um curso sobre « Post Industrial Societies», um estágio de desenvolvimento econômico e social atingido pelos países mais avançados, baseado na economia de serviços, não mais da indústria, que hoje, passados 4o anos, ainda parece alheio aos processos que informam a teoria do desenvolvimento no Brasil. Ou, pelo menos, na prática, pois nossa sociedade parece ter sido (infantilmente) convencida de que a solução para nosso desenvolvimento está, não nos serviços e em tecnologia da informação,, mas, pasmem de novo, no setor agrícola. Agricultura e da mineração. O «deus Agro», o que tudo pode!.
Pelo visto, continuamos aferrados aos nossos históricos «ciclos econômicos», começando com o do pau-brasil, depois o da cana de açúcar, depois o do ouro, todos graças aos escravos, depois o da borracha, em consonância com o ciclo de imigrantes internos e externos e o ciclo do café. Sim, tivemos o ciclo da indústria, tão feroz, primitiva e poluidora como aquela primeira industrialização de quase dois séculos atrás nos países desenvolvidos; e, fora o atraso secular, houvemos por bem conjugá-la com o «ciclo» dos grandes projetos, sob a tutela do regime militar autoritário, da corrupção longeva das grandes empreiteiras e das estatais de sufixo «…brás», começando pela Petrobrás, e terminando com a Amazônia em brasas, inflações bilionárias e um desenvolvimento humano negativo em todos os seus principais fatores, como educação, saúde, habitação, respeito aos direitos humanos e a conservação do meio ambiente.
Veio então o grande ciclo do agro, endeusado como a salvação da pátria, Está mais, de fato, para bóia de salvação, cuja natureza de temporaneidade é mais que evidente. Acompanha-se da questão: e onde o ciclo da indústria limpa, tecnologicamente embasada? Ou: e onde a atenção aos setores de serviços, de infraestrutura e demais, básicos, onde a saúde, a educação, a cultura? Mas, há 40 anos, estávamos falando, na Georgetown Univesity, da era pós-industrial, das cidades sem chaminés. E de sociedades que evoluíram para proteger e conservar ( o que não tem nada que ver com «preservar», a maioria das pessoas e, pior, dos governantes, ainda confundem os dois conceitos ) o meio ambiente, em função do formidável, mas tampouco compreendido, conceito de desenvolvimento sustentável. E, com o meio ambiente, proteger a Amazônia; e lutar contra o aquecimento global. Nada contra o «Agro», no momento de fato é o que salva o Brasil da total falência econômica, porém em nada contribui para diminuir a vergonhosa e trágica desigualdade social no país.
Dizia que foi então o professor Czerny quem me avalizou para a admissão ao mestrado em «Government», com «major» em teoria política e «minor» em metodologia. Mas só depois de submeter-lhe projeto de trabalho sobre tema do curso que dava, e de debatê-lo em longa entrevista pessoal. O que relatei acima a respeito da interação entre professores e alunos na Universidade de George Washington, na base da flexibilidade, atenção e compreensão para com a situação individual de cada aluno, vale igualmente para meu curso de mestrado na Universidade de Georgetown.
Inútil repetir que empreguei as horas matutinas, de almoço, vespertinas (após seis da tarde, até dez, onze, da noite) fora, obviamente, as férias (nos cursos intensivos de verão) para poder cumprir todos os meus créditos nas diversas matérias, inclusive os devidos em substituição à tese, normalmente desestimulada no nível de mestrado. Apenas para finalizar essa referência, que já se alonga, estou ciente, mas inevitável e importante para mim, aos meus estudos nos EUA, enquanto servia na embaixada, cabe um depoimento sobre o fato de que somente pude terminar de cumprir os créditos devidos (em quatro disciplinas) quando já havia sido transferido para a embaixada em Assunção, Paraguai. Meu chefe então, o embaixador, general Fernando Bethlem, por conta própria dele me autorizou regressar a Washington, em duas licenças que totalizaram quase quatro meses (um inteiro semestre escolar). Seria e é impensável obter tal tipo de autorização caso estivesse na chefia do posto, no caso a embaixada em Assunção, onde eu já estava lotado, um embaixador de carreira. Felizmente, mas apenas muitos anos depois, o Itamaray criou um programa de licenças a diplomatas para cursos de posgrado, creio que já na época da gestão do chanceler Celso Amorim.
!976 foi um ano excepcional, em Washington e nos EUA, com as comemorações do bicentenário da independência do país. As altas taxas de juros, a incríveis 12 % ao ano (a 7% para a habitação, bem diferentes das taxas normais de 0,5 a 1% anuais), assim como a crise gerada pelo aumento dos preços do petróleo continuavam a fazer estragos significativos na economia, mas nem de longe suficientes para impedir as magníficas e custosas celebrações, em todos os campos da atividade humana, e sobretudo nas artes, com exposições, concertos, as melhores orquestras e artistas do mundo, e lançamentos, como o Museu Nacional do Ar e do Espaço do Instituto Smithsoniano, em Washington. Tudo isso, como de esperar-se, em meio a surto de nacionalismo, o «império» norte-americano no seu apogeu, disposto a deixar à margem de seus destinos manifestos os traumas recentes da Guerra do Vietnam, de Watergate e a renúncia de Nixon, ou o da luta pelos direitos civis. Nada, ou quase, podia turvar esse momento de grandeza exaltada, nem mesmo a súbita explosão de demanda pelos automóveis japoneses, uma atraente alternativa para os «guzzlers» nacionais que exigiam visitas demasiadamente frequentes às filas intermináveis nos postos de gasolina. As Torres Gêmeas do World Trade Center, cuja construção terminara pouco antes, em 1973, simbolizavam, com sua altura ainda incomparável e o belo projeto arquitetônico, a vanguarda e a liderança dos EUA no mundo.
O brilho do aço inoxidável das torres parecia ofuscar, pelo menos momentaneamente, as sombras de um mundo ainda envolto na Guerra Fria. O contencioso político máximo estava por certo ainda em Moscou. Nesse veio tradicional da ação de política externa dos EUA e da URSS, na era nuclear, os conflitos se estendiam ou se projetavam pelas respectivas áreas de influência, África, Ásia, América Latina, estando sempre muito ativos os serviços secretos e as agências de inteligência, para interferir rnos assuntos internos e impor as respectivas ideologias, do que resultou intenso militarismo na América Latina, como se viu no Chile, na Argentina e no Brasil, por exemplo.
Na embaixada do Brasil, lidávamos com essas tensões e essas realidades. Logo após a posse, o vice-presidente norte-americano, Walter Mondale, um senador liberal democrata, ativista em direitos humanos, veio ao Brasil, numa missão ostensiva de cobrança ao presidente Geisel pela extensa violação dos direitos humanos praticada pelo regime militar no país. Nossa resposta foi grosseira: Geisel determinou o término do programa de cooperação militar bilateral, mantido pelos dois países praticamente desde a II Guerra Mundial. Uma ação que contradiz, pelo certo ou pelo errado, toda a nossa vocação em política externa, desde o barão do Rio Branco, de buscar relações as mais estreitas possíveis com os EUA.
Sobre esse episódio da ida de Mondale ao Brasil, pude, já como embaixador em Israel, conversar pessoalmente com o ex-presidente Carter, numa reunião seleta de ex-líderes mundiais em Jerusalém. Eu acompanhava o nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na conversa informal em meio à reunião, mencionei o assunto a Carter, e vi que ficou muito irritado, comentando que «aquilo—a ida do vice Mondale ao Brasil—tinha sido ideia do Mondale», que havia chamado a si, por ser um ativista na matéria enquanto senador, a questão dos direitos humanos, interna e externamente.
Naquela segunda metade da década de 1970, o tema dos direitos humanos era sem dúvida uma das questões prioritárias na agenda internacional e na agenda multilateral, já que se entendia como corolário triste e trágico da Guerra Fria, com os serviços de inteligência de cada grande potência a ensinar aos serviços armados dos países periféricos, à guisa de «cooperação militar», os métodos de tortura, modernos ou nem tanto, contra os «subversivos». Em outras palavras, Carter, naquele rápido comentário na reunião em Jerusalém, pareceu ter autorizado a ida de Mondale ao Brasil a contragosto: ter-se-ia arrependido, passado algum tempo, de ter endossado ou ter sido conivente com a hipocrisia norte-americana, que ensinava a torura e se arvorava ao mesmo tempo em defensora dos direitos humanos? O Jimmy Carter de 1976, também um ativista dos direitos humanos, tinha um tom diferente do Carter, ex-presidente, décadas depois, em Jerusalém. Seja como for, a visita de Mondale terá sido uma contribuição à progressiva, se lenta, evolução no trato dos direitos humanos no Brasil, que afinal somente se consolida já no regime democrático, sob a proteção constitucional de 1988.
É fato que, contradizendo muitos, a história tende a repetir-se, ou a manter-se arraigada ao prolongamento ou repetição de episódios, o que é triste e lamentável, em sendo os episódios dolorosos. Não será pois assim, quando vemos o presidente do Brasil, quem sabe pelo aprendizado de valores equivocados em sua rápida e controversa vida militar, somados a instintos pouco condizíveis com os direitos humanos, defender a tortura e enaltecer torturadores? Ou praticar o negacionismo com respeito aos valores e procedimentos inerentes à democracia? E eis que a história tem gosto por repetir-se: não esqueçamos da provável increspação política em certos círculos do governo atual no Brasil, notadamente naqueles responsáveis pelas políticas ambientais negativas ora em curso, com uma imaginada visita ao Brasil da vice-presidente Kamala Harris dos EUA, notável ativista em ambas as áreas, tanto direitos humanos com meio ambiente.
Mas, voltemos ao ambiente político norte.americano e sua faceta externa, em meio às celebrações do bicentenário da independência.
Dizia que do alto daquelas torres gêmeas do World Trade Center, entretanto, e dos centros de governo em Washington, já se lançavam olhares de soslaio para o despertar árabe, com a primeira alta súbita dos preços do petróleo, logo acompanhada de uma segunda, ainda mais forte, em 1979. O despertar muçulmano já se fazia algo visível no horizonte nem tão longínquo nem tão difuso. Atingiu com violência os EUA ainda na presidência de Carter, com o retorno do Aiatolá Kholmeini e a revolução iraniana em 1979. Carter perdeu a reeleição por conta dos norte-americanos da embaixada dos EUA em Teerã, feitos e mantidos reféns por mais de cem dias e do fracasso vergonhoso da operação «deserto» de resgate, uma trapalhada militar sem precedentes. Se há um traço de sensibilidade nacional de que os norte-americanos muito se orgulham é justamente o de serem orgulhosos de seu país e de suas instituições, realizações e cultura. Com razão. Naquele momento, trocaram logo a sensibilidade humanista de Carter, que não soube liberar rapidamente os reféns em Teerã e punir o Aiatolá, pelo conservadorismo imperial de Reagan, aliado de Margareth Thatcher no voo livre em prol do expansionismo do capital e do complexo tecnológico militar.
Profissionalmente, conviver e lidar com esses tempos e fatos da realidade política dos EUA foi, como se pode imaginar, extremamente estimulante, uma experiência e um aprendizado valiosos, mesmo lá no meu cantinho humilde de Terceiro Secretário, mas logo promovido, ainda em Washington a Segundo e a Primeiro Secretário. No início, como disse, cuidava dos assuntos ligados à ciência e tecnologia–«scientific officer»–no linguajar de lá. Não era pouco: participei de seminários extraordinários sobre as novas formas de energia mais limpas e alternativas. Bom lembrar que no Brasil esteávamos começando com o programa do álcool em substituição à gasolina. Cuidava ademais dos assuntos relaci. onados com a energia nuclear. Bom lembrar, igualmente, que, em 1974 a Índia havia explodido sua primeira bomba atômica, tendo o Brasil, um ano depois, em 1975, assinado com a Alemanha um abrangente acordo de cooperação nuclear, para a construção de 8 (!) usinas nucleares e o desenvolvimento de enriquecimento de urânio no país, com o que nos tornaríamos independentes tecnologicamente no aproveitamento dessa forma de energia, com o «domínio do ciclo nuclear», como se dizia na época. Estimava-se, nos círculos políticos dos EUA, que o Brasil buscava seguir o curso indiano, sobretudo em vista de nossa recusa em assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares-TNP. O senador John Glenn, ex-astronauta, presidia o poderoso «Operations Committee» do Senado, onde o caso do acordo nuclear Brasil-Alemanha estava sendo debatido. Meu colega de embaixada, Mario Grieco, e eu lá estávamos presentes a todas as sessões de audiências («hearings«). O ambiente era de muita hostilidade ao governo brasileiro (Geisel), em função dos riscos de proliferação nuclear envolvidos no acordo. Marcaram-me em especial, nesse contexto, as declarações de uma autoridade do executivo, especialista em Brasil. Em seu depoimento, sugeriu aos senadores do comitê não se preocuparem tanto com o Brasil vir a construir uma arma nuclear, pois não havia, no país, capacidade organizacional suficiente para tanto, sublinhando que o Brasil não tinha condições e preparo técnico e de gestão para sequer cumprir o acordo. Palavras proféticas.
Tive, ainda em 1976, a oportunidade de seguir no trabalho multilateral, na sequência ainda de meus anos inciais na Divisão das Nações Unidas. Fato é que fui designado, já em Washington, para diversas reuniões multilaterais, por exemplo em Vancouver, na I Conferência das Nações Unidas sobre Estabelecimentos Humanos («Habitat»). Lá, tive meu primeiro contato com com computadores, sendo a sala principal e os diversos comitês da conferência dotados de terminais. Um luxo, uma demonstração de força da riqueza canadense. Estive também designado para a XXXI Sessão Ordinária da Assembléia Geral da ONU. Minha mulher, Moira , e eu tivemos um período muito enriquecedor na Big Apple, nesses cerca de três meses do Outono de 1976, eu lidando com os temas sociais na Terceira Comissão.
Trabalhei com três embaixadores, o que aliás se deu também anos mais tarde, na embaixada em Buenos Aires, já nas funções de Ministro Conselheiro. Isto porque em ambos os postos ac abei ficando por quase cinco anos, o que é raro para um diplomata brasileiro ainda nas classes de Secretário (Terceiro, Segundo ou Primeiro Secretário, e de Conselheiro: a praxe é o prazo de três ano, ou menos. Em Washington, a experiência foi um pouco melhor, com relação aos chefes, mas sempre com um ou outro trauma. No caso, aconteceu de o nosso grande embaixador, Araújo Castro, ex-chanceler quando da eclosão do movimento militar de 1964, e admirado por todos por suas virtudes diplomáticas e democráticas, veio a falecer, semanas depois de Moira e eu chegarmos à capital norte-americana. Entre os colegas da embaixada, era como se o mundo desabara, tão querido era Araújo Castro. Chamaram-nos, aos que lá estavam, e eu entrei na dança, apesar de recém-chegado, de «as viúvas de Castro», apodo carinhoso, mas carregado de algum sarcasmo, sobretudo pelo contraste com o novo ocupante do cargo, o embaixador João Batista Pinheiro e sua terrível mulher Ceu Azul, uma ex-oficial de chancelaria grosseira e imperial no trato dos subordinados do marido. Na realidade, muitas mulheres cônjuges de embaixadores incorporavam essa infeliz tradição do Itamaraty, de tolerar chefes autoritários que, nos círculos fechados das missões diplomáticas, se comportavam como reizinhos capazes de espezinhar e perseguir por puro prazer mórbido os funcionários e até os respectivos cônjuges. Há muitas histórias, são muito comuns e conhecidas, não vale a pena referi-las. É um traço negro da Casa, que me atingiu, triste dizer, e à minha mulher, Moira, em algumas instâncias. Hoje, com a adoção recente de leis apropriadas no Brasil sobre abuso de poder e assédio, sexual e moral, essa tradição perde força, ainda bem, mas é de morte lenta, uma triste tradição «die hard», sobretudo quando se vêm casos correntes e notórios que são ou acobertados ou tratados de forma leniente pelo poder público. Pessoalmente, creio que a gestão Pinheiro na embaixada foi salva pelos excelentes colegas que tive ali, em especial Rubens Ricúpero, então conselheiro, chefe do setor político, e Álvaro da Costa Franco, ministro conselheiro. Álvaro substituíra a Celso Dinis, pessoa também afável e das melhores qualidades, encarregado de negócios durante a interinidade desde o falecimento de Castro até a chegada de Pinheiro.
Não poderia, a esse respeito, deixar de registrar a atenção e a forma carinhosa com que todos na embaixada fomos tratados, com a partida de João Batista Pinheiro, pelo novo chefe, o embaixador Antônio Azeredo da Silveira, ex-chanceler notável. Uma palavra amiga também a seu ministro conselheiro Felipe Lampreia, meu chefe imediato, de saudosa lembrança, e à mulher, Lenir, sempre esbanjando simpatia beleza e alegria.
Moira, diplomata também, mas impedida de trabalhar, forçada a entrar em «licença especial para acompanhar o cônjuge» (fórmula da época para não deixarem, em preconceito absurdo e ilegal, os cônjuges diplomatas servir ao mesmo tempo em posto no exterior) e eu, recém casados, fomos felizes em nossa casinha cor-de-rosa à 8623, Raybun Road, Bethesda, Maryland. Empregamos nosso tempo trabalhando e estudando eu, ela estudando (fez um importante mestrado em educação, na Universidade de George Washington, e nunca se gabou disso) e acompanhando nossos pais, os meus e os dela, ndurante as frequentes e longas vistas que nos faziam. Outro dia, dei, por puro saudosismo, uma olhada no Google maps, para localizar aquele endereço: a casinha estava irreconhecível, com mais um andar, cheia de petrechos e decorações vários, aparentemente toda reformada em estilo futurista-decadente. Seus proprietários em nossa época, os queridos doutor Kim e senhora, pessoas de bom gosto e que se tornaram grandes amigos, com certeza já a teriam vendido.
(ii) ASUNCIÓN, PARAGUAY
Para todos os efeitos, na época em que lá estive, talvez seja melhor manter os nomes em espanhol. Em guarany talvez fosse mais original, mas além do «baê chapá», «ñandetê», o «mbotauê—fingir-se de tolo, o traço mais marcante da personalidade local– e o «lunes temprano, señor, sin falta», que é quando são marcados todos os compromissos de serviços caseiros, «fecha» nunca «cumplida», claro, acabei por não aprofundar-me tanto na bela e expressiva língua local. A remoção de Washington foi outra luta, mas dessas coisas intestinas ao Itamaraty, já me ocupei antes, e creio que basta. Todos nós poderíamos falar horas e horas dessas duas condicionantes, a remoção e a promoção, mas deixemos para outra ocasião. Essas vivências merecem mais transparência, menos poluição.
E mais transparência quer dizer, antes de qualquer outra coisa, que Moira e eu fomos muito felizes lá também, em Assunção, onde servi na embaixada por quatro anos e tal, sob a chefia magnânima do general embaixador Fernando Bethlem. Um encanto de pessoa, mas severo de admirar-se consternado com seus adidos militares. De um deles, o Comandante Waldir Pontes, fuzileiro (creio que por conta do nome «Pontes», uma identidade da Arma, treinam todo o tempo para fazer as famosas «cabeças de ponte») com muita honra e agraciado pelo «moto» «Ad sumus» («Sempre presentes») dessa heróica Arma da Marinha, fiquei muito amigo tempos depois, quando já estava para reformar-se como Almirante 4 Estrelas, Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais. Waldir teve, ou tem ainda, duas marcas, que talvez o tempo (de novo, o tempo…) se encarregue de dizer se foram de gravidade ou não: integrava o serviço de inteligência da Marinha; e (muito tempo depois), fã incondicional de Bolsonaro. Bem, dois fenômenos de ocasião, diria que sem comparação com minha própria fenomenologia multidisciplinar, multifacetada e visivelmente imperdoável..
De mais a mais, cabe lembrar que estamos, nessa visita retroativa ao Paraguai, no início da década de 1980. João Figueiredo «eleito» mano militari presidente do Brasil. Amigo do general Bethlem, que o ajudou, junto com Geisel, a conter a quartelada do general Sílvio Frota, que queria, ele, ser presidente. Dançou. E foi o Bethlem, então comandante da Região Militar da Amazônia, quem o fez dançar, deixando-o sem apoio no generalato alto comando. Ponto para Bethlem, junto a Figueiredo. Em Assunção, Bethlem pedia algo a Figueiredo, era ordem cumprida. Foi assim promovido a embaixador o nosso ministro conselheiro Heitor Pinto de Moura, um intelectual, jornalista, ademais de diplomata da velha guarda, que nos fazia tomar chá com biscoito às cinco da tarde e se recusava a ouvir outra música que não fosse Mozart. Como já tive oportunidade de dizer nessas vivências, conheci muita gente fanática, musicalmente falando ( e espero que só na música, o que não diz boa coisa da pessoa, na minha cachola). É que não parece fazer sentido. Mas faz! Olha aí a quantidade de gente que, por exemplo, não gosta de pintores impressionistas ou modernistas: só da fase azul de Picasso. O resto de Picasso , não serve. Bem, há gosto para tudo, e espaço para a convivência, havendo um mínimo de tolerância. Mas, Bolsonaro?
E lá em Assunção, mesmo entre nós, colegas, a barra da tolerância, se ostensivamente flutuante, era para um ou outro menos palatável. Mas, fazíamos em conjunto leituras marxistas e socialistas aos sábados à tarde, Marcuse, Hegel, Valter Benjamin , enfim, sobretudo Escola de Frankfurt, na moda então. Depois, cansei, preferi empregar o meu tempo livre nos estudos de flauta. Isso em pleno Paraguai ditatorial, com Stroessner, já por muitas décadas, pelos menos umas três, à frente de um terrível aparelho de repressão política e contrabando acobertado por Brasil e Argentina, a mando norte-americano. Mas éramos diplomatas, felizmente. Com direito a passaporte diplomático, sem o qual talvez não se recomendasse a presença lá, naquela época. Mera precaução, digamos. Mas os golpes de traficantes e falsários são permanentes.
Há, por exemplo, o caso de colega, diplomata brasileiro que, em Assunção para uma conferência, hospedou-se no então melhor hotel–senão o único decente–da cidade, o Hotel Guarany. À hora fresca da tarde, encontrando-se sentado à mesa para um café na varanda do hotel, foi albarroado por um desconhecido que, à guisa de lhe oferecer proteção por algum dinheiro, informou-o ao pé do ouvido que «la policia ya sabe que Usted está acá», supondo que o colega fosse alguém procurado pela polícia—como praticamente todos os forasteiros na cidade o seriam, normalmente.
A cidade de Assunção pré-mudanças que ocorreram a partir da década de 1980, e que encontrei ao chegar, era de fato povoada de gente suspeita de toda ordem, mas tinha um aspecto urbano aprazível, em meio ao calor sufocante em boa parte do ano. Por conta das altas temperaturas, todo mundo acorda cedo e os expedientes, para os que trabalham, não passam do meio dia. Depois dessa hora, só os bandos de cães meio selvagens perambulam pelas ruas, enquanto a «siesta» deixa a cidade adormecida. Pela noitinha, os «asados» em churrascarias ao ar livre, sempre com o indefectível «tererê», espécie de chimarrão frio que se toma de sol a sol. Mas, há a opção dos uísques de vinhos sobretudo espanhóis, mas argentinos e fanceses, também. Sim, há uma tradição de vinhos nas classes mais altas, os apoderados. De mais a mais, o permanente contrabando não deixa os preços das bebidas e demais artigos provenientes de outros países subir demasiado.
Tudo isso pareceria de um exotismo fantasioso e arcaico aos olhos de hoje, pós-Itaipu, um Paraguai verdejante de democracia, e inebriado de ares menos arrogantemente clandestinos e só em parte dos saldos do contrabando. Tudo isso, impossível de prever à época.
Nesse período, início da década de 1980, o país se encontrava visivelmente em fase inicial de transição: as estruturas sociais, políticas e econômicas arcaicas, calcadas num modelo visceralmente patrimonialista, autocrático e corrupto começavam, muito levemente ainda, a sentir o impacto das tendências modernizantes e liberalizantes trazidas com o projeto de Itaipu. A extraordinária dimensão econômica e social desse empreendimento «binacional», por localizar-se sobre a fronteira comum, mas de autoria e sustentação brasileira, começou a forçar mudanças de escala e de natureza nas frágeis estruturas guaranis, em meio à feroz resistência às mesmas por parte dos estamentos e elites que se beneficiavam do tradicional e arcaico isolamento do país e da economia ainda ancorada apenas no setor primário e, externamente, no contrabando. A recessão internacional nos anos de 1982-1983, com impacto forte no Brasil e na região do Cone Sul, e mais o influxo de investimentos decorrentes de Itaipu, acabaram por injetar mais força ao processo evolutivo no Paraguai, primeiro com a desvalorização em quase cem por cento de uma moeda que se mantia com paridade fixa ao dólar desde a chegada de Stroessner ao poder em 1954; e, em seguida, com o início da formação de uma classe média, com a melhoria dos serviços nos setores públicos e privado. O Brasil, e também a Argentina, se beneficiaram muito dessa nova realidade no país, com o aumento das exportações de bens e serviços para o novo mercado. No longo prazo, essas transformações, que afinal causaram também a mudança política com a queda do ditador Stroessner e a instauração da democracia, permitiram a conformação do Mercosul, com a inclusão do Paraguai, fator essencial para a identificação diversificada do bloco regional.
Esse era o quadro com que lidávamos em nosso pequeno mundo diplomático na embaixada em Assunção, sintomaticamente ainda chefiada por um embaixador de fora da carreira, um general de 4 estrelas reformado.
Como disse. Bethlem me autiorizou a regressar por ais de uma vez aos EUA para terminar meu curso de mestrado na Universidade de Georgetown. Nenhum embaixador de carreira faria isso.
Foram anos de aprendizado sobre América Latina<, e notem que o Brasil, por mais que queiram negar os brasileiros, faz parte da América Latina.
Fato mais importante: minhas duas filhas, Laila e Cecília, nasceram em Assunção. São paraguaias, de direito, ainda que não tenham, até agora, requerido a nacionalidade. Acho que no Brasil, infelizmente, é matéria de bullying ser paraguaio. O país anda tem um longo caminho pela frente até o seu reconhecimento como «país sério» , aquilo que se atribui a De Gaule—equivocadamente?—na sua avaliação do Brasil . Vendo Bolsonaro como presidente, a frase, seja lá de quem for, traz uma atualidade intrínseca ao ser brasileiro. Infelizmente.
(iii) BUENOS AIRES-ARGENTINA
Parecia mágico. A Argentina do presidente Carlos Menem, por aí já inaugurando seu segundo mandato, e do ministro da economia Domingo Cavallo era uma terra dos sonhos quando lá cheguei em fins de 1994. Cenários de país altamente desenvolvido, luzes, luxo, fartura, salários altos. A riqueza na ponta da varinha de condão, operava-se o «milagre econômico»: a unidade monetária, o peso, havia sido, com a «Lei da Conversibilidade», alçado às alturas do dólar, desde o início do seu primeiro mandato. Menem, um peronista convertido, depois da eleição, ao neoliberalismo. A Argentina estava aberta ao exterior, ao comércio internacional e com poder de compra. Uma frenética valsa de importações de bens e serviços. O que importa se a indústria local perde competitividade e se apaga. As reservas em moeda forte são insuficientes para sustentar a conversibilidade? Não faz mal, vamos às privatizações. Tudo feito de acordo com o programa neoliberal do chamado «Consenso de Washington», uma receita cozinhada pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e o Departamento do Tesouro dos EUA, e servida como único alimento em prato feito pelo FMI aos países latino-americanos a partir de 1989.
Algo me lembrava uma mistura de Sarney, com os os «Planos Cruzados I e II», e Collor de Melo, com sua «única bala de prata», que os argentinos copiaram quase uma década depois, com o «corralito», quando a «conversibilidade», já insustentável, era levada a pique nas águas turvas da corrida ao dólar em meio ao caos político e do empobrecimento súbito e em escala significativa da população. Naquele momento de minha chegada, com a década de 1990 ainda por completar sua primeira metade, e vendo a conversibilidade operando o «milagre econômico», tampouco poderia supor que o Brasil estaria dando sua contribuição ao desastre no país vizinho, nosso importante parceiro no Mercosul, um corajoso empreendimento conjunto dos 4 países do Cone Sul que acabara de sair do forno.
O Brasil, recém ingresso no «Plano Real», com o presidente Fernando Henrique Cardoso por tomar posse, junto com uma equipe de governo que exalava auto confiança, entrava num período de relações intensas com a Argentina, sob o amparo do projeto maior de integração comercial e de expansão econômica via Mercosul. Passados quatro anos, se tanto, eis que a nova moeda brasileira, o real, se verá pressionado, pelo desequilíbrio em nossas contas e pela instabilidade gerada pelo intenso jogo político do presidente Fernando Henrique para ver aprovada a emenda constitucional que lhe permitiria a reeleição, ao desprezo das reformas estruturais necessárias para a sustentação da economia—e da moeda.
Os argentinos, sócios do Brasil no Mercosul, e já se beneficiando de bom fluxo de investimentos brasileiros no país—Sadia, Brahma, Itaú e outros serviços bancários, transportes aéreos e terrestres—viam na moeda brasileira e no «Plano Real» algo como uma âncora que dava estabilidade à movimentação financeira e dos negócios, estes manejados localmente pelas empresas brasileiras em Buenos Aires com seus representantes e gerentes reunidos no «Grupo Brasil», afinal um poderoso grupo de «lobby». Do ponto de vista comercial e do desenvolvimento do Mercosul, o Grupo Brasil se constituía em braço importante de auxílio para a embaixada.
Em fins de 1998, diante do quadro de instabilidade econômica no Brasil, os empresários argentinos suspeitavam de uma próxima desvalorização do real, temida por certamente acarretar impacto muito negativo sobre a manutenção da conversibilidade de Domingo Cavallo, ela própria já sob intensa pressão interna.
Nesse contexto delicado, o ministro da economia do Brasil, o sofisticado Pedro Malan, durante conferência aos empresários em Buenos Aires, assegura que não haverá desvalorização do real. Contrariando sua garantia ali dada aos argentinos, a desvalorização ocorre três dias após esse evento. Estive presente à dita conferência de Pedro Malan e pude testemunhar, em seguida, o desapontamento, desgosto, mesmo, do empresariado argentino com a informação conflitiva e contraditória com os fatos. No fundo, a desvalorização do real foi sem dúvida em fator catalizador na turbulência, contribuindo para precipitar a crise violenta que em seguida tomou conta da situação econômica e política na Argentina.
Tal foi o quadro evolutivo na Argentina durante o período em que lá estive, de 1994 a 1999. Não era, pode-se ver, uma embaixada pachorrenta, os estímulos de trabalho vinham de todo lado. Naturalmente, a embaixada era muito exigida. Logo após tomar posse em Brasília, Fernando Henrique visitou a Argentina. Tem sido uma praxe da política externa do Brasil a escolha da Argentina, nosso grande vizinho e sócio no Mercosul, para a primeira viagem oficial do presidente eleito. Costume infeliz e propositadamente rompido pelo presidente Bolsonaro, que optou por fazer a primeira visita oficial após a posse ao Chile, o que poderia ser compreensível, sendo o Chile pais igualmente de importância para o Brasil, não quisesse Bolsonaro, com a opção, significar ostensiva crítica à política interna argentina e o menos que implícito desplante de render preito às ´realizações´ do período autoritário chileno. Foi mal recebido e vaiado no Parlamento chileno; e a hostilidade à Argentina, gratuita, apenas o desmerece e o desqualifica como representante da sociedade brasileira e do país.
A visita do presidente Fernando Henrique à Argentina deu-se com toda a pompa e circunstância próprias de uma «Visita de Estado». Os dois países viviam um clímax das boas relações. Brasil, porém, já não mais partilhava diretamente do «Consenso de Washington», ainda que a política econômica de Pedro Malan não lhe fosse totalmente indiferente. Ao contrário, notavam-se coincidências, como por exemplo na política de privatizações seguida pelo Brasil. Independentemente da receita neoliberal washingtoniana da época, tínhamos muito o que coincidir com a Argentina, especialmente em função do Mercosul e de um processo implícito de integração regional. Ficava porém fora de quaisquer desses círculos de coincidência, felizmente, a identidade avassaladora assumida pela Argentina com os EUA.
Guido di Tella, o ministro do exterior argentino, interpretava de modo particular esse processo de incorporação incondicional ao «Consenso de Washington» ao anunciar alto e bom tom que a Argentina queria ter «relações carnais» com os EUA. No plano diplomático multilateral, o país deixou de fazer parte dos grupos tradicionais a que pertencem os países em desenvolvimento, como o G-77, da ONU, para integrar-se ao grupo de países desenvolvidos, agora que finalmente havia ascendido ao «primeiro mundo»! Não foi senão com algum constrangimento, como o de um rico que dá a mão a um pobre, que a Argentina participava, junto com Brasil, Paraguai e Uruguai, países em desenvolvimento, da criação do Mercosul—um projeto de integração regional com base na expansão e na liberalização comercial.
Como se sabe, o surto de magia durou pouco. Em 2001, veio o famoso «corralito», a suspensão dos meios de pagamento e o congelamento dos depósitos bancários por conta da exaustão das reservas em moeda forte e da corrida em direção ao dólar. Com uma indústria desativada, e dependente apenas das exportações de serviços e do setor primário, a economia viu-se forçada a cumprir rigoroso programa de ajustes do FMI com um consequente aumento exponencial da pobreza. Início de um longo período de fragilidade política, econômica e social que, com altos e baixos, perdura até hoje. Em todo esse processo desarticulador, de pouco ou nada valeram as tais «relações carnais» com os EUA.
Pelo visto, a Argentina não aprendera a lição de que, entre países, conta menos a amizade que interesses. Na invasão das Malvinas, em 1982, o presidente argentino, general Gualtieri terá cometido o grave e mesmo equívoco de confiar no apoio norte-americano, quem sabe na crença da validade do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, concluído em contexto da II Guerra mundial e com frágil validade sustentada no período da Guerra Fria; mas sem efeito entre os aliados no hemisfério norte, em especial entre o Reino Unido de Thacher e os EUA de Ronald Reagan. Muito da derrota devastadora dos militares argentinos para a armada inglesa se deve ao fato de contarem os ingleses com informações permanentes dos serviços de inteligência norte-americanos sobre a movimentação das forças militares argentinas.
Na Argentina da primeira metade do século XX, esta sim, rica e desenvolvida, com direito a quatro prêmios Nobéis (o quinto, de Nobel da Paz, dado a Perez Esquivel, veio mais tarde, na década de 1970) a fartura vinha, como sempre, principalmente das exportações do setor primário, carnes, lã, trigo. É conhecido o comentário confortante de um político argentino e grande proprietário, a propósito de período em que por algum motivo a economia do país sofria alguma retração: «não há porque preocupar-se pois entre nós tudo se resolve com uma boa colheita». Até hoje, o principal evento comercial e termômetro da economia é a grande feira de exposições chamada «La Rural». Mas, a Argentina conta com uma sociedade coesa (apesar da permanente e histórica tensão Buenos Aires-província e capital federal- e o resto do país-campo), altamente educada e civilizada. Sem dúvida seu maior asset, e que permite ao país, junto com seus extraordinários recursos naturais e humanos, recompor sempre as bases de um desenvolvimento autônomo e dinâmico. Sob esse aspecto, apresenta condições bem distintas daquelas do Brasil, onde a falta de coesão social, as grandes desigualdades socioeconômicas, e os baixos índices de desenvolvimento na educação, a par das dimensões geográficas e demográficas, são fatores que pesam de maneira bem distinta no processo de amadurecimento e de equilíbrio político na dinâmica de recomposição do crescimento, quando a mesma se fragiliza.
Pessoalmente, a mágica que encontrei em Buenos Aires permanece intacta. É certo que a cidade, e o país, viviam anos dourados, mas talvez nem por isso. A conversibilidade da moeda, um peso igual a um dólar, significava alto custo de vida, em especial para quem tinha seu salário em dólar. Um cafezinho, que sempre custou, digamos, 2 pesos, talvez equivalentes a 20 centavos de dólar, antes da sua equiparação à moeda norte-americana, passou, com a conversibilidade, a custar 2, 3 dólares. A garrafa de vinho no restaurante, que antes se comprava por 20 pesos, equivalentes a 2 ou 3 dólares, agora se comprava pelos mesmo 20 pesos, mas equivalentes a 20 dólares. Bonança para os argentinos, custos altos para os forâneos. Bonança para os importadores, desestímulo para o setor exportador.
Tampouco identificaria o motivo dessa mágica no trabalho na embaixada, ainda que altamente estimulante. Bem ao contrário, como ministro conselheiro, numa das maiores embaixadas que temos, com uma média de 20 diplomatas e cerca de cem funcionários, bem instalada num prédio de nove andares, 3 subsolos, salas de exposições e de conferência para mais de 150 pessoas, tive um período de intensa atividade, sobretudo de gestão administrativa, mas não só, com um ambiente de chefia por vezes tenso e bastante complicado. Destaco em especial a facilidade de lidar com a chancelaria local, o «Palácio San Martín», diplomatas profissionais da melhor estirpe que sempre mantiveram as portas abertas para o diálogo e o relacionamento amigo. Uma vez, como encarregado de negócios, veio jantar em nossa casa, um espaçoso apartamento em prédio na esquina das ruas Posadas e Montevidéo, toda a chefia do San Martín, fora o chanceler. Penso que foi em torno de Jorge Faurie, o estrito e nervoso chefe do Protocolo argentino, amigo que mais tarde vim a reencontrar como embaixador em Lisboa, na época em que lá estive como representante permanente do Brasil junto à CPLP.
Como na embaixada em Washington, onde servi com três embaixadores (Araújo Castro, João Batista Pineiro e Azeredo da Silveira), fui, em Buenos Aires, acompanhado de outro colega ministro conselheiro, o Paulo Silveira, chefiado por três embaixadores, Marcos Azambuja, L. Filipe Seixas Corrêa, e finalmente, como uma luz ao fim do túnel, Sebastião do Rego Barros, essa raridade no Itamaraty, um chefe educado, sensível e democrata. Todos muito bem conhecidos e, exceto pelo fato de os dois primeiros serem excessivamente centralizadores, não carecem de comentários. Exceto talvez para dizer do transparente medo de um, formalista de herança saquarema, de sequer conviver com ideias supranacionais em relação ao Mercosul, um projeto já em curso, mas ainda com sua personalidade internacional em gestação, ou quase.
Nada , enfim, que motivasse percepções de estar num lugar de atracão singular, mesmo porque pessoalmente, do ponto de vista estritamente profissional, sou o primeiro a reconhecer meus próprios deslizes, um ou outro de algum grau de seriedade—como ter usado, em recepções oficiais em minha residência, ou como encarregado de negócios, convites com as armas brancas da República. Erro de protocolo, mas erro, assim mesmo, como me apontam certa vez, num tom visceral. Informam-me de que o uso das armas brancas em correspondência e convites é reservado aos chefes de missão. Creio que é isso. Já em outras feitas, houve desentendimentos que remontam também ao começo de minha carreira, na Divisão das Nações Unidas, por discriminações injustas. Nunca se concretiza, triste dizer, a expectativa de que a maturidade mitigará impulsos irascíveis ou ciclotímicos, talvez por se conjugarem, de um lado, chefias inseguras e, de outro, quadro emocional onde as fronteiras éticas vagueiam como cometas no cosmos. Enfim, convívios difíceis para um matuto mineiro como eu, mas assim são as coisas.
Basta, porém, mencionar o esplendor das livrarias com Julio Cortázar e Borges, do Teatro Colón, do correr da vida despreocupada e elegante na «Recolleta» e os «revueltos gramajos» nos bistrôs das redondezas, do tango, das milongas e de suas histórias, do clube Hurlington, tão tipicamente inglês como o caminhar das gentes de ternos pelas ruas, e onde comecei a praticar golfe, sempre mal, diga-se, e o conforto da gente amistosa, culta . A gastronomia vai muito além do já soberbo ´asado` e das delirantemente suculentas «empanadas salteñas» , da maciez do ´chivito` e dos preciosos vinhos malbe e do «Catena Zapata«, do «Don Valentin Lacrado» ou do «Perdriel Centenario». Vinhos da época. Agora, são muitos outros, muitos mais. A música é o tango e mais tudo, o tudo de Piazzolla, do «Oblivion», do «Invierno Porteño» ou do « Adiós Nonino», ou de Ginastera e de Angel Lasala…Sim, fiz muita música nas poucas horas vagas em Buenos Aires. Além da flauta, me aventurei pelo piano de aulas iniciais, pelo «bel canto» («bel» só no título, deste estilo de técnica vocal, claro) nas aulas com a saudosa professora, o soprano Zulema Castello, esposa do maestro Lasala, e funcionária do setor cultural da embaixada. Y, por lo demás, imensas amistades. E a neve em Bariloche, na moldura do magnífico Hotel Jao Jao. Pelo norte, Córdoba, com seus prados cor de poente, Meendoza e suas canaletas de água de neve derretida dos Andes e colinas vindimeiras e ainda La Rioja, terra de Menem, de poucos habitantes e dos chivitos, esses cabritinhos simpáticos, bem cotados na culinária, que sobrevivem nas serras desérticas e pedregosas quedemarcam a região. Certa vez propus, sem encontrar qualquer eco, fosse o chivito, por sua capacidade de sobreviver em ambientes difíceis, escolhido com mascote do Mercosul.
Minha mulher; Moira, fez um belo trabalho servindo no nosso consulado em Buenos Aires. Foi somente a essa altura que recebemos a informação, do gabinete do chanceler Lampreia, de que, finalmente, o Itamaraty passaria a pagar integralmente o salário dos cônjuges diplomatas. A informação veio com a solicitação discreta de que os cônjuges somente agora contemplados com o que de há muito era de seu direito, não reclamassem judicialmente ou administrativamente os seus atrasados. Moira havia permanecido em «licença especial para acompanhar o cônjuge» por nove anos (os tempos de Washington e Assunção, que relato acima), mas , por mais que eu insistisse, nunca quis reclamar o que tinha de receber de direito, fora as compensações por ter-se atrasado na carreira. Dizia que não queria prejudicar a minha carreira. Sou-lhe grato pelas suas intenções, mas muito mais comovido de coração pela devoção com que sempre me acompanhou enquanto estivemos juntos. Nossas filhas, Laila e Cecília, então em início da adolescência, foram igualmente tomadas de paixão pela cidade, integrando-se com as amigas locais e carregando até hoje o mesmo sotaque portenho, que nem a escola, por ser a francesa, se cuidava de disfarçar nos seus currículos.
De toda essa rica experiência, deixou marca especial e carinhosa uma criação culinária minha, o frango à Aline». Aline, uma coleguinha de escola da Cecília, linda, bem falante e inteligente, vinha em nossa casa para estudar com minha filha, e às vezes ficava para almoçar ou jantar. Em ocasiões, eu, glutão de frangos, preparava um frango que fazia as delícias da Aline, que toda vez me pedia o mesmo prato. A tal ponto que lhe dei o nome, de «frango à Aline». O «frango à Aline» se preparava em molho que combinava o básico «molho espanhol» com vinho madeira e algum xerez. Nada demais ou original, não fora o próprio frango, uma maravilha de frango campestre de cerca de três quilos, uma carne de sabor extraordinário. Era o frango comum nos supermercados argentinos até a introdução, no mercado local, dos impalatáveis e até hoje horripilantes frangos brasileiros, trazidos originalmente pela Sadia. Triste dizer, haviam sido anunciados com orgulho parvo pelo presidente Fernando Henrique durante sua visita de Estado à Argentina como um grande feito econômico, por serem vendidos ao preço de um real por quilo. Como a nova moeda brasileira foi oficialmente cotada a pouco mais de um dólar, o frango brasileiro logo destronou o frango argentino, cujo preço, por quilo, era pelo menos umas três ou quatro vezes mais. Na verdade, a introdução do frango brasileiro a cerca de um dólar o quilo simplesmente acabou com a produção argentina. Mercosul fazendo das suas…
One Comment
Cecilia Pinto Coelho
Amei o texto, riqueza de detalhes e lembranças de Buenos Aires ! 👏👏👏