NOVA YORK E GENEBRA
São as duas «Mecas» da diplomacia multilateral.
(i)-NOVA YORK
Sede da Organização das Nações Unidas-ONU. Lá, na sede da ONU, respira-se o ar cosmopolita da cidade e pratica-se uma diplomacia ao mesmo tempo prosaica e política. Sempre de alto nível, diga-se. Mesmo no mais ínfimo subcomitê, ou na mais informal das sessões de consultas, o nível político das negociações é alto, pois, como dizia nosso querido chefe no Departamento de Organismos Internacionais, o Embaixador Baena Soares, ali se lida com a «agenda da humanidade». É também uma diplomacia prosaica, por ser democrática, exceto no Conselho de Segurança-CSNU, mas aí já é outra história.
O CSNU, único órgão com poder decisório e, de acordo com o Capítulo VII da Carta da ONU, com poder para autorizar o uso da força armada «para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais» (Artigo 42), vem, desde há algum tempo, tendo questionada a sua estrutura, vista como desequilibrada e anacrônica, de assentos permanentes para os P-5, EUA, Russia, China, França e Reino Unido, e seus demais 10 assentos rotativos distribuídos pelos grupos regionais. Obviamente, sem êxito. Há todo um histórico na ONU a respeito da composição do CSNU. A atual composição foi definida pela Resolução 1991 (XVIII) da Assembléia Geral, com a emenda ao Artigo 23, que eleva o número de membros do CSNU de onze para quinze.
As objeções para uma mudança que «atualizaria» a estrutura do Conselho, com aumento do número de assentos permanentes e não permanentes, «adequando-o à nova ordem política internacional», vêm de todos os lados. Explícitas ou não, mas no geral categóricas, as objeções principais são dos P-5 (ainda que Reino Unido , França e Rússia mantivessem posição mais flexível), que sem dúvida não têm motivos para ceder parte de seus poderes, ligados à própria fundação da ONU. Compreensivelmente, a maioria dos demais países membros, por conta de desacertos na busca dos consensos regionais em torno da escolha de quais países seriam os beneficiados com a criação de assentos permanentes adicionais, reconhece a importância do tema, mas hesita em tratá-lo com a devida prioridade, a não ser ocasionalmente. No plano da retórica, entretanto, já houve momentos em que o tema da reforma do CSNU ganhou dinâmica própria no plano multilateral, em especial na Assembléia Geral da ONU, que afinal o colocou na sua agenda permanente. Houve muita negociação no contexto de um ou outro grupo regional, como o Grupo Africano, ou em função de articulações, seja a favor, como a do chamado G-4, que reuniu quatro países com interesse proeminente em aceder a um assento permanente no Conselho, Alemanha, Brasil, Japão e Índia, ou contra, como no caso do grupo «Union for consensus–Ufc», o chamado «Coffee Club», formado ainda na década de 1990 por países que se opõem a uma possível expansão do CSNU. Como se poderia esperar, o grupo compunha-se de países que rivalizam em importância com os membros do G-4 nas respectivas regiões: Itália, Espanha, México, Argentina, Colômbia, Paquistão, Turquia, entre outros.
O tema da reforma do CSNU ganhou relevo no início da década de 2000, com auge em 2005, por conta dos 60 anos de vida da ONU, tido como um momento para uma reforma mais ampla da Organização. O Secretário Geral Koffi Anan chegou a apresentar um «plano» para a reforma, com propostas alternativas de aumentos de assentos rotativos e outros fixos por quatro anos, e que ficou apenas nas boas intenções, pois não atendia a quaisquer das principais correntes de países . Diante desse tema maior, e obviamente de alta complexidade, verificaram-se mais desacertos do que qualquer tratamento construtivo durante todo esse período, marcado pelo ativismo de muitos dos países proponentes e candidatos a assentos permanentes, em articulação entre si e nos grupos regionais, e em debate contínuo com seus opositores.
E os países do P-5 assistindo a tudo em camarote como se tratasse de um tema equivocado. O presidente norte-americano George Bush resumiu bem os limtes da questão ao definir como «one or so» o número de novos assentos permanentes no Conselho, numa eventualidade remota de reforma. Mesmo nesse período, o tema não foi acolhido com muito entusiasmo em diversas instâncias, como no Movimento Não Alinhado (MNA) e nos contextos regionais, por conta das rivalidades acima referidas. Em 2005, na funções de Subsecretário para África, Oriente Médio e Ásia–SGAP-II, recebi instruções do chanceler Celso Amorim para chefiar a delegação do Brasil a Reunião Ministerial do MNA em Kuala Lumpur. O Brasil participa das reuniões do MNA na qualidade de «observador», e o nosso encargo era de fazer «lobby» em favor da postulação do Brasil a um assento permanente no CSNU junto às diversas delegações presentes. Acompanhado do chefe do Departamento de Organismos Internacionais do Ministério, o embaixador Carlos Sérgio Duarte, promovemos encontros informais com algumas delegações, e invariavelmente a reação de nossos interlocutores era no máximo a de ouvir atentamente, por mera cortesia para conosco. Em um desses encontros, com a delegação do Marrocos, o Embaixador marroquino, que era o Representante Permanente em Nova York, nos retrucou friamente, sobre eventual apoio ao pleito brasileiro :« le Brésil et la réforme du Conseil? Mais, puisque personne n´en parle…».
O Brasil, calcado sobretudo nos seus trunfos de população larga, território extenso—e agriculturável, ao contrário da tundra canadense e das geladas estepes siberianas, e economia dentre as maiores dez do mundo, sempre namorou a ideia de ter um assento permanente no CSNU. Com direito a campanha explícita a partir de 2003, no governo Lula e seu chanceler Celso Amorim. Fizemos de tudo para mostrar que somos um país sério. Oferecemos para participar com tropas e comandar a Força de Paz da ONU no Haiti, articulamos iniciativas de aproximação com os países árabes e africanos, e endossamos ou reforçamos grupos de «geometria variável», como no caso do Forum de Diálogo India-Brasil-Africa do Sul–IBAS, proposta original e muito interessante da então chanceler sul-africana Nkosazana Dlamini Zuma e que mais tarde, a partir de 2006, evoluiu para ter, com o BRICS– Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul, um grupo tido como de países «emergentes», um esforço maior de coordenação econômica; ou, ainda, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa—CPLP (esta sempre útil em ocasiões de endosso a candidaturas brasileiras a cargos e a organismos internacionais. Com sede em Lisboa, ali abrimos uma Missão Permanente junto àquela organização, separada da nossa embaixada, em 2005). Aproveitando o débito de embaixadas residentes brasileiras em países da África, e na sequência à prioridade dada àquele continente pela política externa proposta pelo Presidente Lula, Celso Amorim expandiu a abertura dessas embaixadas para a América Central e Caribe e outras partes do mundo de forma acentuada, com base em cálculos de apoio à nossa pretensão ao assento permanente na ONU. Sobrepôs-se, assim, a movimento a que as diversas áreas pertinentes do Itamaraty, e nós, no Departamento da África e depois na Subsecretaria-Geral de Política para Africa, Oriente Médio e Ásia, havíamos proposto com muita cautela, com a escolha de alguns países significativos em cada quadro regional, em África, na Ásia, no Caribe, assim como na Europa Oriental. E abriu, com essas medidas, com a instalação adicional de algumas de embaixadas em ilhotas no Caribe, ou em certos países africanos e asiáticos, o flanco de nossa diplomacia para críticas que não tardaram a vir, mesmo ainda antes do término dos governos Lula e Dilma.
Em retrospecto, mas mesmo quando se criou o G-4, ficara evidente um equívoco com relação ao posicionamento brasileiro, de preferir a composição com Alemanha e Japão, dois países vencidos na II Guerra Mundial, e desde então com perfil relativamente discreto no jogo de poder onusiano . Ademais, a candidatura alemã, além de outros concorrentes da região, se sobrepunha a dois lugares de membros permanentes europeus, França e Reino Unido. Quanto à Índia, é no mínimo questionável a escolha brasileira de alinha-se, melhor dizendo, escorar-se no principal concorrente e provável escolhido para uma única vaga de membro permanente a ser eventualmente aberta, a julgar pelos critérios de Bush («one or so»).
O caso africano é bastante significativo. Diante da eventualidade da reforma do CSNU, e das diversas propostas e contra-propostas para uma nova estrutura do Conselho bem como de candidaturas a assentos permanentes, o Grupo Africano na ONU, sempre um dos grupos regionais mais politicamente alertas e ativos, quando nada pela composição numerosa de países que o integram, dando-lhe peso político não desprezível em votos na Assembléia Geral, tomou a iniciativa de articular-se, numa reunião de consultas promovida pela União Africana-UA em inícios de 2005, em Ezulwini, na Suazilândia, agora Reino de Eswatini. O Chamado «Ezulwini Consensus», no que toca à reforma do Conselho, reivindica dois assentos permanentes, com direito a veto, e cinco não-permanentes para a África, todos a serem ocupados por países africanos a serem escolhidos pela UA. Logo em seguida, outra reunião africana, essa em Sirte, dos países do norte da África, reivindicava, pela «Sirte Declaration», também dois assentos permanentes, além de mais dois adicionais assentos não-permanentes.
Ezulwini e Sirte, por fixarem uma posição em termos regionais, jogaram um enorme balde de água fria na candidatura do Brasil e do G-4, cujo pressuposto estava justamente na representatividade individual desses países no concerto das nações, e não no contexto regional, onde havia, como assinalado acima, objeções e rivalidades fortes, impeditivas de qualquer consenso em nível das regiões. Na América do Sul, por exemplo, Colômbia e Argentina, sobretudo, objetaram frontalmente a apoiar a pretensão brasileira. O caso da Argentina sendo ainda mais grave, já que o nível de coincidência e de entendimento em política externa em função do MERCOSUL e de integração em outras áreas, como a nuclear, sugeriria atitude de boa vontade com relação ao pleito brasileiro. O G-4 havia, pouco antes da reunião dos países africanos em Ezulwini, lançado formalmente a candidatura dos países do grupo com base em projeto de resolução na AGNU circulado informalmente. Ficou bastante claro, entretanto, que as articulações entre o G-4 e o Grupo Africano não foram suficientes para impedir esse confronto de posições no seio do conjunto dos países em desenvolvimento, o G-77, com a consequente diluição da força das reivindicações do G-77 acerca da reforma do Conselho.
Vi o desconforto e o desapontamento de nossa chancelaria com esses desenvolvimentos, tendo assumido a SGAP-II nessa época (inícios de 2005). A nova estrutura para a Secretaria de Estado concebida por Celso Amorim e o Secretário-Geral Samuel Pinheiro Guimarães contemplava oito subsecretarias-gerais, dos quais cinco entraram em funções de imediato (SGAP-I, Assuntos Políticos Multilaterais, América do Norte e Europa; SGAP-II, Assuntos Políticos, Ásia, Oriente Médio e África; SGEC, Assuntos Econômicos; Assuntos Relativos às Comunidades Brasileiras no Exterior, SGCBEx; e SGEX, Administração—as demais três, SGAP-III, uma partição da SGAP-II em duas áreas, para a Ásia; a SGAM, para temas multilaterais—meio ambiente e outros (depois evoluindo para uma subsecretaria.geral para assuntos de energia e meio ambiente , e a SGAS,para a América do Sul, Central e Caribe, efetivadas um pouco mais tarde. Sendo o mais antigo dos SGAPs a tomar posse (antecipada, pois o decreto-lei que estabelecia o novo organograma, com as outras três subsecretarias, ainda se encontrava submetido ao Congresso), fiz o discurso de praxe na cerimônia levada a efeito na sala da Secretaria Geral, presidida pelo Chanceler Celso Amorim, com a presença de todos os Chefes da Casa e demais diplomatas lotados na Secretaria de Estado. Houve algum constrangimento por parte do próprio Celso Amorim e alguns outros colegas, mais a par do contexto multilateral em que se encontrava nossa candidatura a um assento permanente no CSNU, quando, em tom otimista, mencionei, a respeito do tema de nossa candidatura ao CSNU, os esforços que todos nós desenvolvíamos em defesa dessa pretensão, a essa altura já desgastada em especial pela posição africana.
O fato é que efetivamente a força de uma posição consensual por parte dos países em desenvolvimento na questão da reforma do CSNU havia sido diluída na sua essência pela posição africana em favor de uma solução com base em propostas regionais. O oposto da proposta defendida pelo G-4 e nele, pelo Brasil.
Teria havido articulação e consultas suficientes entre o G-4 e o Grupo Africano em Nova York? Sempre me garantiram que sim, mas a surpresa com que o «Ezulwini Consensus», e em seguida, a «Sirte Declaration»–logo endossadas pela União Africana, foram recebidas em nossa chancelaria pode sugerir o contrário, senão mesmo certo excesso de confiança na condução de um processo negociador em que talvez víssemos as consultas com os africanos em nível de prioridade mais baixo do que os entendimentos com os P-5 e outras potências de expressão maior. Em todo caso, logo depois de assumir as funções na SGAP-II, recebi instruções do chanceler para viajar em missão por países africanos, para entregar no mais alto nível carta em defesa das posições brasileiras e, implicitamente, do G-4. Outros colegas embaixadores em postos chaves foram igualmente instruídos a fazer missões semelhantes tanto na África como na Ásia e no Oriente Médio. Debalde, pois «o estrago» já havia sido feito, ou seja, o tempo para os entendimentos no seio do G-77 já havia sido esgotado, principalmente em função de Ezulwini.
Natural que perdêssemos o estímulo na sequência dessas ocorrências, numa atitude algo semelhante à da raposa com as tais uvas verdes da fábula. Com o fim do governo Lula, já em seu segundo mandato, e com Dilma Roussef na Presidência da República, seu desinteresse e desconhecimento em matéria de política externa, agregados à sua ojeriza pessoal ao chanceler Patriota, com quem se recusava a falar, as principais linhas da política externa de Celso Amorim (a Rodada de Doha e Reforma da ONU e do CSNU, a primeira já terminada em fracasso, a segunda relegada a segundo plano pela comunidade internacional), nossa diplomacia começou a definhar-se. Os chanceleres escolhidos por Dilma, em seguida a Antonio Patriota, Mauro Vieira e Luís Alberto Figueiredo, premidos pela falta de perspectiva em política externa por parte do Planalto, e cientes de seus mandatos tampão, fixaram-se em planos inexpressivos, um, por sua vocação para sobrevivência política, outro, por coincidência de suas funções na área do meio ambiente na Secretaria de Estado com a atenção exigida a Dilma na resposta brasileira diante do movimento internacional na questão da mudança do clima. Fato é que, com a eleição de Jair Bolsonaro, a política externa do Brasil caiu no buraco negro do misticismo ideológico onde os parâmetros e princípios que sempre nortearam nossa ação externa, como a defesa do multilateralismo, a solução pacífica de controvérsias, ou o respeito à soberania e à igualdade das nações, aos direitos humanos e o meio ambiente, foram trocados pelo culto irrestrito a lideranças externas, como a de Trump, nos EUA, ou a de Netanyahu, em Israel, neste último caso por conta de agradar ao movimento evangélico, base de seu apoio político. O combate à ONU, e ao que chama de «globalismo», seja lá isso o que for, passou a ser uma tônica em pronunciamentos e parte da retórica intrínseca de atitudes que significam de fato a ausência de coerência na expressão externa do Brasil, obviamente com graves consequências negativas para nossos interesses e mesmo para o nossa segurança nacional. No que toca à questão referida acima, a propósito do tema da reforma da ONU e do CSNU, nossa pretensão, já relegada, como assinalado, a um contexto subsidiário na agenda da ONU, terá tido sua pá de cal com o discurso pronunciado pelo Presidente Bolsonaro na abertura da Assembléia Geral da Organização em Setembro de 2019. As uvas, de verdes, se tornaram desbotadas.
Na verdade, nem chegaram a ser verdes. As uvas que na década passada imaginávamos colher ao pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas haviam perdido a cor e murchado já bem antes de o Presidente Bolsonaro fazer triste papel ao falar na abertura da LXXIV Sessão Ordinária da Assembléia Geral da ONU.
É polêmico, sem dúvida nenhuma, nosso interesse em pleitear assento permanente no CSNU. Qual será ou seria a prioridade para nossa política externa ou para os interesses nacionais de estarmos com um assento permanente no Conselho? Prestígio, por certo, para o país, que se colocaria em nível de primeiro plano no contexto internacional ou, em linguagem mais tradicional, no «concerto das nações». Em vez de apenas seguir os ditames da agenda internacional, estaríamos em condições de participar de sua formulação, com vistas a atualizá-la e dar-lhe mais equilíbrio, com melhor posição ademais para nela inserirmos de forma coerente e efetiva os interesses nacionais. Na sua condição atual de país periférico, e da qual não parece que sairemos tão cedo, função de nosso contexto interno–político, econômico, social e cultural, com tendência ao isolamento e a uma ilusória autoconfiança cada vez mais solapada pela persistência dos grandes problemas nacionais, sendo o maior deles a extrema desigualdade social–o interesse em um assento permanente no CSNU compreensivelmente cai para planos subsidiários, não tendo a opinião pública qualquer afinidade com a questão.
Sim, o discurso, o primeiro pronunciamento de Bolsonaro na ONU, foi de longe o pior pronunciamento de um chefe de estado do Brasil ou de qualquer representante de nosso país na tradicional abertura dos debates gerais das sessões ordinárias anuais da Assembléia Geral da organização. Nas palavras do embaixador Rubens Ricúpero, na coluna «Página Aberta da revista Veja, edição de 29/0972019: «Se a meta da diplomacia do presidente Jair Bolsonaro for o isolamento, o discurso, proferido no último dia 24 na ONU atingiu plenamente o objetivo: o país se apequenou, ficou isolado na extrema direita do espectro ideológico. (…) O discurso foi a expressão de uma diplomacia belicosa, de valentia em defesa da soberania nacional», nas linhas de Trump, (faz) «denúncia do globalismo, ataques ao socialismo, ao comunismo, à mídia, invocação de Deus, apelo ao eleitorado religioso (…). Ele (Bolsonaro) se revelou no seu pior aspecto, até na apologia da ditadura militar, na sua insensibilidade aos grandes temas diplomáticos mundiais, ambientais e de direitos humanos. Da mesma forma que Trump, nem sequer mencionou o tema central desta Assembléia-Geral: o perigo do aquecimento global causado pela ação humana. Não me parece que ele se importe com as consequências prejudiciais para os interesses políticos e econômicos do Brasil de sua postura externa (…). Em alguns trechos, até parece falar numa campanha eleitoral, pois hostiliza seus adversários no Brasil, seus antecessores na Presidência, acusados de comprar parte da mídia e do Parlamento. Rompe com a tradição de todos os chefes de Estado de evitar tratar de disputas internas fora do Brasil (…). É preocupante a transformação do Brasil no principal vilão global, papel até então do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Ele chamava atenção mais em razão de excessos na guerra às drogas »…). A postura extremada em matéria de meio ambiente, de povos indígenas e de direitos humanos liquida o pouco que restava do ´soft power` brasileiro».
Da mesma forma, nas palavras do embaixador Adhemar Bahadian, em artigo no JB digital de 29/09/2019: «Coincido com as críticas ao discurso tanto no tom como na substância. Em ambos, fluiu um rancor contra a Organização, seus fins e seus propósitos. A afirmação do Presidente de que a Organização das Nações Unidas não deve preocupar-se com uma ordem mundial ´abstrata` ignorou um princípio básico da Carta das Nações Unidas. A alegação de que entidades de direitos humanos e a própria Nações Unidas teriam dado respaldo ao trabalho escravo no ´Mais Médicos` certamente a ofendeu. A Assembléia não se reúne para ouvir problemas internos de seus países, mas para somar esforços na consecução de objetivos inscritos em sua agenda de trabalho.»
Tais comentários são apenas uma pequena mostra de um universo de pontos criticáveis, que tornam o discurso do Presidente Bolsonaro lamentável por inteiro, e que poderiam ser resumidos na expressão do isolamento e do descrédito do Brasil no plano internacional. O embaixador Ricúpero, no artigo acima referido, recorda que o Brasil, nos primeiros tempos da ditadura militar, se viu igualmente isolado internacionalmente ao apoiar o regime salazarista na África, assim como a África do Sul do apartheid, e ao seguir os EUA no apoio isolado a Israel. São posturas características de modos políticos autocráticos, tanto na extrema direita como na extrema esquerda.
Ricúpero poderia ainda e com certeza ter recordado nosso isolamento na ONU durante a década de 1970, em virtude de nossa posição contrária ao conceito de «consulta prévia», sobre o aproveitamento energético de rios compartilhados, no caso com a Argentina. A insistência brasileira, ainda o regime militar, na postura de soberania absoluta na definição do projeto de Itaipu, em contraposição à exigência argentina de «consulta prévia», em conformidade com o direito internacional, no caso de rios sucessivos, resultou em desnecessária disputa bilateral que, levada à ONU, gerou isolamento e descrédito internacional do Brasil, somente resolvido quando o chanceler brasileiro Ramiro Saraiva Guerreiro sabiamente convenceu as autoridades militares brasileiras a mudar de posição e aceitar o referido conceito.
Disputa igualmente desnecessária vem marcando a questão da Amazônia, conforme me refiro no texto «Caldeirão amazônico: negociação ou canhão?», por conta do ativismo internacional—crônico e, periodicamente, agudo, como nesse segundo semestre de 2019, em torno das queimadas e do desmatamento na região. Há um contraste com nossa reação em situações semelhantes no passado recente. Bolsonaro e sua equipe de ministros receberam com agressividade e hostilidade as críticas ao comportamento governamental brasileiro atual por omissão ou descompromisso com políticas ambientais, sob a arguição de soberania. Durante a década de 1980, ao contrário, em especial na sua segunda metade, os governos brasileiros, sofrendo críticas semelhantes por parte da comunidade internacional, a respeito das queimadas e do desmatamento na Amazônia, adotaram, em vez da agressividade nas respostas, tom conciliatório, a favor da cooperação, e mais, abriram as portas do país ao resto do mundo ao se oferecer para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento—UNCED. A proposta era a de que todos os temas ambientais fossem debatidos abertamente. A Conferência, que contou com a participação de mais de cem chefes de Estado e de Governo, teve pleno êxito, havendo o Brasil em seguida adotado série de medidas e de políticas públicas sobre a Amazônia, com o consequente amadurecimento, de forma distendida e não conflitiva, do trato da questão amazônica no plano ambiental internacional. A diferença com a reação do governo Bolsonaro às mesmas críticas é abismal. Hostilizou desnecessariamente, com declarações agressivas e vociferantes, o Presidente Macron, da França, e mesmo a sua mulher, por conta das declarações infelizes e equivocadas do presidente francês, a respeito de ser a Amazônia «o pulmão do mundo»–conceito efetivamente errôneo e de há muito já desmentido e desacreditado–, e do reconhecimento da Amazônia como uma «questão de responsabilidade internacional»–formulação que, por incompleta na sua complexidade, terá sido tomada impulsiva e desastradamente por Bolsonaro como uma ameaça à soberania nacional.
Note-se também que, no contexto da UNCED, estavam ainda sendo formulados os sofisticados conceitos de proteção do meio ambiente, ligados à noção de «responsabilidade comum, porém diferenciada» («common but differentiated responsibilities») de todos os países, ou com base no «princípio da precaução» («the precautionnary principle»). Referendados a partir de então por praticamente toda a comunidade internacional, sob a liderança de países mais ativos na questão, como Brasil, indonésia, Malásia, França, países nórdicos), tais conceitos permitem aos diversos países tratar com mais equilíbrio das crises eventuais, agudas ou crônicas, e da mesma maneira reagir a elas. Despreparado, e com uma visão reacionária a respeito da conservação ambiental e do movimento internacional, tanto intergovernamental como não-governamental, a ela vinculado, o governo Bolsonaro optou por reação retrógrada e agressiva, que apenas contribui para o descrédito da imagem do Brasil, com notáveis prejuízos políticos e econômicos para o país.
Tais prejuízos, políticos, econômicos e comerciais das posturas deste governo em nome do Brasil no contexto ambiental, relevados ademais pelas agressões à ONU e pelo consequente isolamento do Brasil, são bastante previsíveis e constantes de todos os comentários críticos do discurso do Presidente Bolsonaro na sessão de abertura da sua Assembléia Geral. Servirá com certeza a tais propósitos o acompanhamento dos investimentos externos no país nos próximos anos, assim como das exportações, inclusive no âmbito regional, onde a retórica bolsonarista dá preferência à repressão da dinâmica do relacionamento com os parceiros do MERCOSUL e demais vizinhos do continente sul-americano.
Abrangem, indiretamente, uma outra área, a da pretensão do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança-CSNU, instância política máxima da Organização, única com poder decisório sobre os países membros. Hoje colocada em situação marginalizada na agenda internacional, a questão da reforma do CSNU esteve em primeiro plano na primeira década deste século, sendo justamente o Brasil um dos mais ativos propositores dessa reforma, explicitamente candidatando-se a um assento permanente no Conselho. A reforma, como se sabe, era tida como necessária, de modo a atualizar a Organização, para que possa refletir a nova ordem internacional. Diante da óbvia oposição dos membros permanente do Conselho, velada ou explícita, assim como das rivalidades regionais, o tema caiu em importância, mas subsiste na agenda da ONU.
Bastaria o referido discurso do Presidente Bolsonaro na ONU, absolutamente dissonante com as linhas e princípios essenciais da política externa do país, mas os parâmetros desses graves equívocas estão à mostra nas posições tomadas na área da política externa desde o início do seu governo: alinhamento automático e incondicional com os EUA; proposta da transferência da Embaixada do Brasil em Tel Aviv para Jerusalédm; ameaça de invasão da Venezuela e de um conflito armado na fronteira com esse país vizinho; descrédito do MERCOSUL; interferências nas políticas internas de países vizinhos, além da Venezuela, com a exaltação da ditadura chilena no período Pinochet e críticas ao resultado das eleições democráticas na Argentina; defesa de um nacionalismo extremado e descrédito do multilateralismo, inclusive da ONU, que associa à desconexa expressão «globalismo», tido como um fenômeno (pouco explicado ou identificado, mas, aparentemente, de condução espúria da agenda internacional a partir de interesses globais em oposição aos verdadeiros interesses nacionais) a ser combatido por todos os meios; visão dos temas ambientais como contrários ao interesse nacional, com a ameaça de denunciar os Acordos de Paris relativos aos compromissos assumidos no âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, e o descompromisso com a sustentabilidade no processo de ocupação e exploração econômica da Amazônia, inclusive com incentivos à desregulamentação do uso da terra e à eliminação da ação fiscalizadora por parte de instituições governamentais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente—IBAMA, e não governamentais, com o desfazimento de projetos, como o do Projeto Amazônia, levado a efeito com participação e financiamento de outros países. Nesse vai-e-vem de posições incoerentes, vimos a China-RPC ser primeiro hostilizada, para, a menos de um ano após a posse do governo Bolsonaro, ser exaltada como fonte promissora de investimentos; o mesmo se dando com o MERCOSUL e a União Europeia, desacreditados de início, um tido como inoperante, a ser substituído por outro arranjo, chamado «do Pacífico Sul» com o Chile e voltado mais para o Pacífico; e a outra, por albergar um «vazio cultural» (a Europa). Tudo isso para em seguida cantar o grande trunfo do Acordo de Livre Comércio MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA. Os exemplos se multiplicam, mas por aí podemos ter uma ideia boa das trapalhadas em política externa bolsonarista.
Somadas todas as vezes em que participei de reuniões na ONU em Nova York , penso que terei contados cerca de dois anos. Frustra-me contudo nunca ter servido na nossa Missão Permanente, ali na 477 Third Avenue, no nono ( e de tempos para cá também no décimo) andar do prédio que durante anos acolheu os escritórios da revista «Playboy»–o que sempre trazia um charme adicional à entrada e à saída no andar térreo, por ali ficar à mostra, numa redoma de vidro, a silhueta, discreta, de uma «coelhinha».
Para qualquer diplomata com afinidade com a área multilateral, não importa de que país, os cinco países membros permanentes do CSNU, outros pós- industrializados, países em desenvolvimento, de economias «emergentes» (termo aliás já em desuso, pois na maior parte desses países as economias pararam de «emergir»), países chamados «pequenas ilhas» (que ganharam dimensão diplomática e status de importância por conta do tema da mudança do clima e os efeitos devastadores que se profetiza irão sofrer), países africanos e asiáticos, árabes–, nada com certeza se compara à extraordinária experiência diplomática que se vive nas negociações na sede da ONU.
E, por certo, ao conjugarmos a expressão ONU-Nova York, ou seja, um diplomata na cidade, encontraremos momentos pitorescos aos milhares. Escolhi este.
Abril de 1991. Estou por algumas semanas na cidade como delegado às reuniões preparatórias da conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, prevista para o Rio de Janeiro, em Junho de 1992, chamada de Rio-92, ou, ainda, no saber popular, erroneamente de ECO-92 (pois nunca foi uma conferência sobre ecologia!). Sobra um tempinho maior no intervalo de almoço, entre sessões da reunião, que ocorrem na sede da ONU. Faço uma reserva para uma pessoa no Boulay. É longe, região da Bolsa de Valores , pego o metro. À entrada do restaurante, em um corredor elegante que antecipa sabores e experiência única, um caixote com maçãs frescas deixa exalar um perfume original, hoje comum e cansativo, viva a imitação. Levado a uma mesa discreta já preparada para apenas um «couvert» naquele ambiente algo pós-moderno, peço o «lunch menu». Taça de champagne, claro. Sou servido os pratos do menu, salada e costeleta de vitela, mas me surpreendo com a vinda de outros pratos servidos em ordem rigorosa. Um deles, um ensopado de ervilhas frescas, ainda sugerindo o orvalho da primavera dominante, protegia um pequeno naco de salmão selvagem quase vivo. E veio ainda uma terrina de frutos do mar. Na hora da conta, somente o preço do «lunch menu». Bem, retorno deliciado ao trabalho e mais tarde relato o que vivi no Boulay a colegas da Missão do Brasil junto à ONU. E digo que é uma pedida imperdível, tudo aquilo que te servem pelo preço bem módico do «lunch menu». Marcamos dois colegas e eu, imediatamente, ida ao Boulay na semana seguinte. Fomos, pedimos o «lunch menu» e aguardamos ansiosos e afoitos pelo bela sequência de pratos, oculta no menu pedido, mas que eu pudera testemunhar na semana passada fazia parte da nossa opção «lunch». Qual nada! Fomos servidos, e muito bem, mas somente os pratos constantes do «lunch menu», por sinal os mesmos da outra vez. Diante do relativo desapontamento meu e dos colegas, que me lançam olhares inquisitivos, «e não vêm outros pratos, como você falou?», digo, com toda a delicadeza e cuidado, ao garçon, sobre essa aparente diferença de tratamento, reportando-me à experiência que havia tido na semana anterior. O garçon, dizendo que se lembra de mim, vai à cozinha, faz lá suas consultas e volta com a resposta: o Chef Boulay o serviu, na ocasião passada, pratos adicionais em degustação, em reconhecimento da presença, no restaurante, de um comensal solitário, certamente um apreciador, pois não são muitos os que vêm comer sozinhos em restaurantes sofisticados e com preços correspondentes. Agora, em grupo, não tínhamos porque esperar o mesmo tratamento singular. Mesmo assim, saímos, claro, felizes e satisfeitos do Boulay, mas não deixei de ser alvo de sutis comentários de desapontamento dos frustrados colegas. [1]
Os relatos e histórias são muitos e diversificados, aparecerão alguns ao longo dessas «Vivências» , mas a maior parte ficará pelo caminho, quem sabe nos «anais», nos «summary records» e sobretudo nos «final reports» antes de sua aprovação em plenário.
Como revisitar as intervenções pitorescas, e cheias de verdade, do velho e conhecido embaixador Jamil Barudi, ou Baroody, da Arábia Saudita, aí pela década de 1970, nas plenárias das comissões, especialmente na II e na III Comissão, e no Conselho de Segurança em que lançava diatribes contra os poderosos, e contra a ocupação por Israel dos territórios palestinos?[2] Seu objeto de ataque preferido eram os EUA e a sociedade norte-americana, com os graves problemas de racismo e de segurança. Em Nova York, então, como asinalava em repetidos brados de retórica, a insegurança e a violência nas ruas era enorme, sendo constantes os assaltos a delegados que saíam já à noite das reuniões nas áreas adjacentes ao prédio das Nações Unidas, e mais bem por toda a cidade. Ir ao Harlem, então, equivalia a buscar ser assaltado. Havia situação semelhante em Washington D.C., nessa época, quando lá cheguei para assumir meu primeiro posto no exterior, na Embaixada, em 1975, sendo ainda evidente a marca, pelos espaços de três quartos do distrito habitada por negros e adjacências, dos violentos conflitos raciais da década anterior.
Tive duas oportunidades concretas de remoção para a Missão em Nova York, ambas frustradas pelas circunstâncias. A primeira, ainda Terceiro-Secretário, há quase três anos lotado na Divisão das Nações Unidas (DNU), minha primeira função no Itamaraty depois de formado no Instituto Rio Branco e em seguida à posse. Percebi claramente ter sido injustiçado pelo meu chefe direto, à época, inclusive por me preterir, ferindo os critérios vigentes, na inclusão em delegações às sessões regulares da Assembléia Geral da ONU e pedi demissão. O chefe do Departamento de Organismos Internacionais, o estimado embaixador João clemente Baena Soares—então ainda ministro de segunda classe, reconheceu meus motivos e, sponte sua, promoveu minha remoção para a embaixada em Washington, onde estava o nosso grande embaixador João Augusto de Araújo Castro, ex Ministro das relações Exteriores no governo João Goulart, antes do golpe militar de 1964. Os dois eram amigos, e cheguei em Washington bem recomendado pelo amigo Baena tendo sido muito bem recebido, com minha mulher Moira, pelo casal Araújo Castro. Moira, também diplomata, foi obrigada, como cônjuge de diplomata removido para o exterior, a pedir «licença especial», não remunerada.[3]
A Missão do Brasil junto às Nações Unidas, em Nova York, naquele momento, era chefiada por um embaixador eficiente,mas muito temido por seus arroubos de perseguições a novos funcionários—hoje não passaria incólume por questionamentos de assédio moral—evidenciando traços marcantes de desequilíbrio emocional. Creio que essa circunstância terá influído em minha remoção para Washington, e não para a Missão em Nova York.
A segunda oportunidade se deu muito mais tarde, quando, após quase cinco anos como ministro-conselheiro em nossa embaixada em Buenos Aires, sendo processada a remoção, que eu havia pedido, para Nova York, houve mudança da chefia da Missão junto à ONU e o novo embaixador havia convidado outro colega. Deram-me, de consolação, a chefia, praticada então em nível de embaixador, do Consulado Geral em Lisboa. A partir daí, a carreira para mim orientou-se por outros rumos.
[1] Este pequeno relato consta originalmente dos meus textos sobre o comensal solitário, intitulados: «Refeição a Sós: Muito Prazer», vide www.mineiromatuto.com , categoria «ensaios».
[2] Vide, por exemplo, breve intervenção de Baroody em 1976, no CSNU, a esse respeito, no Youtube: SYND 19 6 76 SAUDI AMBASSADOR JAMIL BAROODY ON OCCUPIED TERRITORIES
[3] Essa injustificada—e anticonstitucional– discriminação contra um dos cônjuges diplomatas, e que acabava por discriminar, na prática, visto o contexto de época, mais ainda as mulheres, perdurou até a administração do Chanceler Lampreia, quando então o casal de diplomatas pode enfim trabalhar no exterior com remuneração plena. Anos antes, sendo o embaixador Paulo Tarso Flexa de Lima o Secretário Geral, fez-se uma «composição», igualmente irregular e ilegal, em que o cônjuge lotado no exterior, no mesmo posto ou em posto diverso, passou a receber a remuneração, sem ajuda de custo. Estávamos, a Moira e eu, lotados em Buenos Aires, eu na embaixada, ela no consulado Geral, quando recebi, aí por volta do ano de 1995 ou 1996, ligação telefônica de assessor do Lampreia no Gabinete, hoje embaixador Danese, ele mesmo já tendo estado na situação de casado com cônjuge diplomata, com a notícia de que tais cônjuges passariam a receber remuneração plena. Mas, vinha junto a advertência: que nenhum do cônjuges nessa situação arguíssem perdas devidas pela discriminação passada até aquele momento. Pessoalmente, insisti para que minha mulher, Moira, levantasse administrativamente, e mesmo judicialmente, a questão, mas ela preferiu não fazê-lo, com receio de que tal ação pudesse prejudicar a minha carreira. Nunca concordei com isso, pois de fato a carreira dela foi muito prejudicada pelos nove anos que foi forçada a estar de «licença especial» no exterior, antes que se dignassem a reconhecer essa discriminação, no plano apenas salarial, mas permaneceu sua perda de posição na lista de antiguidade e, pior, permaneceu sua perda de dignidade profissional e pessoal, ao ver-se impedida, discriminadamente, de trabalhar no exterior, direito que era devido a ela e aos outros cônjuges de diplomatas—até então, não eram muitos, situação bem diferente da de hoje em dia– que eram diplomatas igualmente concursados e tendo tomado posse da mesma forma que seus cônjuges.