Vivências Diplomáticas

VIVÊNCIAS DIPLOMÁTICAS E AUTOBIOGRÁFICAS-PARTE VI-ISRAEL 1- O MUSEU ADONIRAN BARBOSA NO KIBUTZ BROR-HAYIL

ISRAEL

I-O MUSEU ADONIRAN BARBOSA EM BROR-HAYIL

Quando a comissão de dirigentes do kibutz Bror-Hayil- chamado kibutz dos brasileiros, veio ver-me para apresentar um projeto «muito especial», em inícios de 2008, eu já havia assumido minhas funções como embaixador em Israel há mais de um ano. Tempo suficiente para promover a mudança de nossa chancelaria. Estava antes localizada em prédio obsoleto, decadente, mal cheiroso dos esgotos que vazavam das tubulações defeituosas. Não era infrequente observarem-se camundongos em passeios furtivos pela minha sala. Tais incursões exploradoras me constrangiam sobremaneira ao ocorrerem na presença de visitas.

Agora, estávamos instalados com dignidade no 30º andar de prédio «inteligente», recém construído, à rua Yehuda HaLevi 23, no coração de Tel Aviv.  A autorização para a mudança, obtida, como se imagina, não sem algum esforço negociador, veio com a definição, justificada pela área técnica da Secretaria de Estado por «parâmetros administrativos», mas para mim esotéricos, de um limite máximo para o espaço útil a ser alugado, de 270 m2. Os tais «parâmetros administrativos» norteariam, em teoria, a área a ser disponibilizada para cada um dos escritórios (que chamamos de chancelarias) de nossas embaixadas pelo mundo fora. Para um posto de nível médio em termos de lotação de funcionários, como a embaixada em Tel Aviv,  270 m2 terão sido suficientes, mas apenas. No caso, estando no 30º andar, havia de todo modo a recompensa de uma belíssima vista da cidade e da orla marítima.

Aqueles senhores da comissão dirigente do Bror-Hayil, todos de idade de jovens maduros, haviam emigrado do Brasil ainda nos tempos heróicos e socialistas dos primeiros anos de um Israel independente. Aí pela década de 1950,  bem jovens e visionários, instalaram-se em Bror-Hayil, área cedida pelo Estado, ali bem pertinho de Gaza—estão sempre ao alcance dos foguetinhos lançados desde Gaza pelo pessoal do Hamas, e que tanto atormentam as forças de defesa de Israel.

Nunca mais deixaram o kibutz, acompanhando com nostalgia as transformações por que passaram essas instituições no país, e participando ativamente da construção de Israel e de seus intermináveis conflitos e guerras. O kibutz Bror-Hayil foi um dos primeiros sítios que visitei ao assumir o posto, pelo valor desses  imigrantes brasileiros pioneiros na terra israelense e pela simbologia que projeta sobre as boas relações entre Brasil e Israel, ao longo da história comum aos dois países.

Depois do cafezinho de praxe, explicaram-me o motivo da visita. Com muita dificuldade, diante das limitações de espaço, haviam conseguido separar, num dos poucos e pequenos prédios da administração do kibutz, algumas salas, reservadas para a eventual instalação de um museu dedicado a Adoniran Barbosa.

Fiquei sabendo então que Adoniran Barbosa, nome artístico de João Rubinato, era judeu. Quem diria. Pois pretendiam modestamente homenagear esse grande artista brasileiro, mas também judeu, assim como a sua música, sua vida e obra, enfim, preservando-lhes a memória em Bror-Hayil. Não tinham, contudo, como financiar esse projeto. Indagavam se podiam contar com a ajuda financeira da embaixada e do governo brasileiro.

Fiquei fascinado. Olhando para aqueles senhores, nós juntos sentados ao redor da pequena mesa na ampla sala, as belas músicas de Adoniran passaram-me rápido pela mente, com suas letras inesquecíveis, sua linguagem peculiaríssima do português do Brás, algo italianizado em cada inflexão e em cada fonema: «Trem das Onze», «Tiro ao Álvaro», «Saudosa Maloca», «Arnesto me convidou», «Irene», «Viaduto santa Efigênia», «As Mariposa» (assim mesmo, sem concordância)…

Podiam, claro, contar com meu apoio. Afiancei-lhes que iria submeter, com todo o meu empenho, a solicitação de auxílio ao projeto às nossas autoridades, que certamente a considerariam com justeza. Assim foi feito e, por sorte, à época, 2007-2008, as dotações orçamentárias para a área cultural estavam bastante bem aquinhoadas—o que me permitiu, por exemplo, desenvolver um extenso programa de apresentações no país de grupos de choro brasileiros. (O choro, ou chorinho, é um gênero musical brasileiro com receptividade enorme, como se sabe, em várias partes do mundo, e despontava então em Israel).

Creio que recebi da Secretaria de Estado, sem muita delonga, cerca de US$ 50.000,00, montante que permitiu ao Bror-Hayil materializar a «Casa Adoniran Barbosa».

A inauguração, com boa quantidade de material sobre Adoniran trazido do Brasil, obtido pelo Kibutz e também em parte pelo Itamaraty, foi uma festa. Memorável. Com direito a discursos, visita às instalações recém pintadas, brindes com vinhos dos dois países, tudo embalado pelo grupo de cantores israelo-brasileiros e suas bandas a ecoarem ao vivo a arte genial do mestre Adoniran, brasileiro, mas também judeu, agora com pé naquelas terras bem agrestes do kibutz. Viva João Rubinato.

Poucos anos depois, ainda com a imagem do museu no kibutz Bror-Hyail, mas já nas funções de Representante Permanente do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa—CPLP, em Lisboa, tentei promover seminário sobre a linguagem de Adoniran Barbosa. Havia um tema na agenda comunitária sobre «linguagens na língua portuguesa» e me pareceu próprio trazer a debate a linguagem de Adoniran. Limitações orçamentárias, assim como falta de tempo hábil para identificar e  convidar especialista no Brasil impediram que pudesse levar a termo a ideia.