A REFEIÇÃO A SÓS: MUITO PRAZER-PARTE XV
«DICAS» PARA O INICIANTE NA PRÁTICA DO COMER A SÓS em lugares públicos-restaurantes, etc .
Terão notado haver algumas «dicas» sido mencionadas acima, de passagem.
A primeira «dica» é justamente que essas sugestões são muito fáceis de serem encontradas em sites na rede, sobretudo em inglês. Não sem razão. Nos países mais desenvolvidos, é notório o maior número relativo de pessoas, de todas as idades, não só os mais velhos, que vivem sozinhas, e que comem a sós, em casa ou fora de casa. Nos supermercados nesses países, por exemplo, tem crescido , no âmbito das refeições congeladas, a procura e as vendas de porções individuais, em detrimento das porções «familiares». Vejam também que, dentro do espírito anglo-saxão, se trata de sugestões, úteis, sem dúvida, mas que têm em conta apenas a praticidade, sem maiores considerações. Vão direto ao assunto. Encontram-se, contudo, sites em língua portuguesa com «dicas» da mesma natureza. Por exemplo, a revista digital Delas, que aborda o tema dentro de uma perspectiva feminina em www.delas.pt/dá-prazer-fazer-as-coisas-sozinha, ou o site https://medium.com/clube-organico/o-passo-a-passo-para-voce-enfrentar-sozinho-a-mesa-de-um-restaurante ; em língua inglesa há vários. Experimente ver os títulos «Table for One: The Art of Dining Alone»; «Becoming Your Best Date: The Perks of Dining Alone»: « Table for One, Please: the Benefits of Eating Alone; «5 Reasons to Dine Alone»; «20 Tips for Eating Out Alone – From A Seasoned Solo Diner»; e um «Podcast» da BBC: «How We Eat: 1. Eating Alone».
Sopa de legumes e pesto com ilha de zucchini e massa de Parmesão. Prato do autor. A ilha lembra o comensal solitário? Relação direta com o ambiente.
Afinal, são «dicas». Falam, em seu conjunto, de coisas assim:
a) escolha de antemão onde pretende comer. Caso seja possível reservar, faça-o. A escolha e a reserva o deixarão mais seguro de si.
Nesse quesito, permito-me comentar adicionalmente sobre a conveniência, ou não, de fazer a reserva «para duas pessoas», quando lhe pedirem a informação acerca de quantas pessoas serão. Pelo seguinte: em muitas sociedades, sobretudo as menos sensíveis à convivência com a noção da refeição a sós, haverá uma tendência em restaurantes, caso se peça a reserva «para uma pessoa», a colocar o indivíduo em mesas de segundo plano, em algum canto enfumaçado da casa, ou, na boa tradição francesa, perto da porta da cozinha.
Em sociedades mais habituadas a essa convivência, é mais raro ver-se a reserva da «table for one» ser discriminada. Ao contrário, crescem em número os restaurantes que privilegiam, ou distinguem preferencialmente, a reserva da «mesa para uma pessoa». Bem haja! De qualquer forma, pedir-se uma mesa «para dois», quando já se sabe que será apenas «para um», não passa de uma inconsequente mentirinha. Pode carecer de auto-afirmação, mas facilitará a escolha de uma boa mesa. Ressalto, entretanto, a fragilidade intrínseca dessa opção, sendo, sem dúvida alguma muito mais positivo e correto a solicitação de uma mesa «para uma pessoa» , acompanhada da indicação de que se espera lhe seja reservada uma boa mesa. Imprescindível ao indivíduo que faz a sós a sua refeição insistir em que lhe seja dada uma boa mesa, sob pena de sair e procurar outro restaurante. Um mínimo de dignidade, por favor.
b) evite, por óbvio, restaurantes ou assemelhados que dedicam maior espaço em seus menus para pratos com porções «para dois». Alguns apresentam sugestões de pratos que servem até três ou mais. Nesses locais, a escolha de um prato individual, por ser em geral limitada, apresenta constrangimentos desnecessários para quem está desacompanhado;
c) opte por comer bem e pedir um bom vinho. Esse prazer adicional o ajudará a descontrair-se;
d) em vez de sentir-se observado, passe a observar os demais à sua volta (dica pessoal minha, não penso tê-la encontrado em ´sites`, por aí). Não no sentido de bisbilhotar, ou de ouvir conversas, que na verdade não apresentam interesse, mas para exercitar sua imaginação: sobre que estarão conversando, em que situação de vida se encontram, o que fazem, o que sonham, que trajetórias vivenciais constroem;
e) leve consigo um livro ou revista, ou um pequeno bloco de notas.
Eu faço anotações no celular, mas sempre por escrito. Gravar ou usar o telefone celular para falar em restaurante, como se sabe, é muito deselegante e denuncia pouca sensibilidade convivial, para dizer o mínimo. Com o bloco de notas, pode-se ademais sempre fazer passar, ou dar a impressão, aos atendentes e aos chefes de cozinha que se trata de um comentarista, jornalista, ou crítico gastronômico—outra mentirinha implícita sem consequências, mas que pode render-lhe mais atenção e consideração pelos que estão à seu redor, como comensais, ou em serviço à sua mesa;
f) escolha um horário fora das horas «de pico». Será melhor servido, sem os constrangimentos de esperas dilatadas;
g) pessoalmente, gosto de escolher restaurantes dentro de hotéis.
Desde que sejam reconhecidamente bons restaurantes. Na maior parte das vezes, os hotéis de alguma categoria, por serem empresas maiores, têm melhores condições de lidar com produtos de qualidade e mais frescos do que restaurantes singulares que, individualmente, podem não dispor da mesma capacidade de compra. Os restaurantes de hotéis serão para muitos menos charmosos, mas se forem bem geridos, e contarem com bons chefs, as chances são de que a refeição será sempre de bom nível, enquanto que em restaurantes, nem sempre. Importante também considerar que haverá , nos restaurantes de hotéis, outras mesas com pessoas que fazem à sós a refeição, dando-nos o sentimento mais próximo de uma «comunidade».
Essas «dicas» podem multiplicar-se, conforme a hora, o local, e o tipo de indivíduo, claro. No fundo, é um campo aberto à imaginação, e é certamente mais sob esse prisma que os presentes ensaios se justificam. A propósito, acabo de mencionar um elemento que assume aqui uma centralidade evidente: a ideia de uma «comunidade», ao falarmos daqueles que fazem refeições solitárias.